Moura fechou recentemente parceria para trabalhar com Guillaume Liegey, que foi um dos marqueteiros de Emmanuel Macron
na eleição francesa, e os dois participaram no começo do mês de uma
maratona de conversas com pré-candidatos ou seus enviados, inclusive
presidenciais, num trabalho de prospecção. O brasileiro, no entanto,
afirma que o objetivo principal de sua empresa é trabalhar nas campanhas
regionais. “No plano nacional, nossa prioridade é ainda trabalhar com o
mercado financeiro como cliente”, diz o também professor de estatística
na Universidade George Washington, nos Estados Unidos.
Pergunta. Você diz que, se há uma eleição em que outsiders
e partidos pequenos têm chance nas majoritárias, é essa. Isso é muito
contraintuitivo no Brasil onde a TV e a estrutura partidária costumam
ser cruciais. No que você se baseia para dizer isso?
Resposta.
Em 2013, nas grandes manifestações, gerou-se uma expectativa de que
houvesse mudanças radicais nas eleições, mas 2014 acabou sendo um ano,
em termos de majoritárias, de muita continuidade. Acredito que o Flávio Dino (PCdoB),
no Maranhão, foi a única ruptura que a gente teve. Ele conseguiu
quebrar um ciclo de poder de mais de 50 anos. Em 2014 a gente não via
essa demanda por mudança tão forte como estou vendo agora. Eu não via
essa indignação que estou vendo agora. Mais do que mudança, essa é uma
eleição de indignação e estamos no ápice do “novo” no Brasil. Por isso,
minha hipótese é que as eleições majoritárias vão dar margens a muitas
surpresas. Digo surpresas com candidatos fora dos partidos tradicionais:
PSDB, PT e PMDB. São partidos que sofreram muito com a Operação Lava
Jato, que conseguiu colocar no imaginário do eleitor que esses partidos
são iguais. Eu tenho um dado, de uma pesquisa que a gente fez no final
do ano passado, de que 75% das pessoas não gostaria de votar em nenhum
candidato do PSDB, PT e PMDB na eleição presidencial. Mas você fala: mas o Lula está na frente. Sim, mas o Lula está acima do PT, é um caso particular.
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P. Trocando em miúdos, é uma eleição menos para o político tradicional Geraldo Alckmin (PSDB) e mais para um outsider como era Luciano Huck, que agora diz ter jogado a toalha?
R.
As vantagens do Alckmin são óbvias: tem um partido grande, vai ter
tempo de TV e ele tem capacidade de fazer alianças locais que podem lhe
garantir uma estrutura. Do ponto de vista operacional, Alckmin tem todas
as condições de ser um candidato competitivo, mas, do ponto de vista de
narrativa, Huck tinha os atributos que são positivos:
de fora, longe dessa intoxicação dos partidos, conhecido pela classe
mais popular. Sem Lula, era melhor para o Huck certamente. Quem mais
admira o Huck é o campo popular, que tem essa figura maior que é o Lula.
Estamos falando do eleitor que é fiel ao Lula, mas não o ideológico.
São os que reconhecem que na época do Lula a vida deles era melhor.
P. Quem ganha com essa desistência do Huck? Tem espaço ainda para surgir um novo outsider?
R. Acho que ganha quem disputa o campo popular: o PT, Ciro, Marina e até mesmo Bolsonaro. Acho que essa janela de produzir um outsider
está se fechando. O ex-ministro do STF Joaquim Barbosa certamente
traria uma narrativa impactante, mas parece que essa potencial
candidatura dificilmente vai se materializar. Um outsider nessa altura
precisaria ser amplamente conhecido da opinião pública. Não enxergo quem
ocuparia esse espaço. O que vai decidir a eleição é o eleitorado do
Lula.
P. E qual o potencial do ex-presidente de transferir votos? Ter ungido Dilma pesará como fator negativo?
R.
Vamos imaginar que Lula tenha 30 pontos hoje - em algumas pesquisas é
mais, mas vamos imaginar 30. Quando a gente tenta mensurar qual é hoje o
potencial de transferência de voto, ele está na casa de um terço. São
os que estão altamente inclinados a seguir uma indicação do Lula - os
outros dois terços estão em disputa. Várias pesquisas mostram que alguns
eleitores vão para a Marina, para o Ciro e até para o Bolsonaro. Vira
uma disputa. Passa a ser um campo aberto. Mas a coisa é complexa. Quando
testamos em pesquisa perguntando: e se o Lula for preso? Aí para o
eleitorado popular dele é muito ruim. Ele, estando preso, tendo indicado
a Dilma, está fazendo uma nova indicação. Mas, se ele não for preso,
mas retirado da eleição, então vai depender de quando ele for retirado.
Quanto mais próximo da data da votação ele for retirado, maior o poder
de transferência de voto que ele vai ter. A gente no Brasil tem um
laboratório que é o Distrito Federal. Em duas situações recentes, os
candidatos foram retirados e colocaram seus prepostos e deu certo.
Então, num cenário que Lula começa a fazer campanha e é tirado, pode ser
que ele tenha um potencial alto de transferência de voto. Num cenário
em que ele é preso agora, vai ser muito pior a performance no eleitorado
popular. Como e quando ele vai sair vai definir tudo.
P. E como ficam Ciro Gomes e Marina Silva nisso? Podem se encaixar na narrativa do novo?
R.
Marina tem um eleitorado cativo, que permaneceu muito homogêneo em 2010
e 2014. É um eleitorado urbano, classe AB, muito escolarizado. A
dificuldade que ela vai ter para evoluir e chegar no segundo turno vai
ser se popularizar. Ela vai ter que se reinventar e fazer diferente do
que fez nas últimas campanhas. Ela tem que traduzir a história. Ela veio
do campo popular. Tinha tudo para ser o Lula de saias, mas a questão é
como se popularizar. Ciro é um caso interessante para mim. Ele tem um
grande potencial de incorporar os votos do Lula à esquerda. As pesquisas
mostram que, quando tira o Lula, Ciro ganha o voto mais ideológico. E
ele tem um fator que não tinha nas outras campanhas: ele não vai ser o
único maluco na sala. O personagem do Bolsonaro pode ajudar a construir o
personagem do Ciro. A gente tem que estudar bastante como o Bolsonaro
de um lado pode ajudar o estilo único que o Ciro Gomes tem de fazer
campanha, de verbalizar. Ele pode ser o outro lado do Bolsonaro, que é a
direita, o conservador, mas que, como o Ciro, também representa a
indignação. E o Ciro ainda tem o fator Nordeste. É um eleitorado que vai ficar especialmente órfão do Lula. Ficaria muito atento a como Ciro vai evoluir.
Historicamente, a dificuldade do Ciro é sempre ele mesmo e ele tem
consciência disso. Não é uma eleição de vender esperança para as
pessoas. É uma eleição para o eleitor ver como está tudo errado e para
isso a gente precisa de alguma coisa diferente.
P. O último Datafolha sugere que Bolsonaro pode ter chegado a um teto. Você concorda?
R. Não acho isso. Acho que Bolsonaro
tem muito potencial. Por alguns fatores: a narrativa de indignação na
eleição, essa ideia que ele martela de que ele é fora do sistema e a
emergência da segurança como tema da eleição nacional pela primeira vez.
Até as cidades médias estão enfrentando também a violência. E é um tema
onde ele vai bem. Outro fator é que essa é uma eleição onde a Lava Jato
vai pesar muito. Quem tiver associado a ela vai perder.
P. Por outro lado, Bolsonaro começou a ser escrutinado. O exemplo mais forte foram as reportagens da Folha sobre inconsistências no crescimento de patrimônio e o uso de verba pública, que ele respondeu falando em dinheiro para “comer gente”. Isso não conta?
R.
A minha experiência com candidatos que falam o que vem à cabeça, tendo
vivido a eleição nos EUA agora, é que as pessoas atribuem a eles um
aspecto de autenticidade. No caso do patrimônio atípico, as pessoas
podem comparar com o escândalo da Lava Jato e achar isso pequeno. Não
estou dizendo que não é errado, mas o nível de percepção a respeito
disso e sobre um apartamento com milhões de reais dentro é diferente.
Ele vai ser muito questionado sobre isso? Vai. Mas, dependendo do comparativo, pode ser que seja indiferente para eles (eleitores).
P. O clichê que os eleitores não gostam de candidatos radicais, que projetem instabilidade, não serve mais?
R. Bolsonaro é um radical quando o tema são os costumes, mas ele não tem sido radical na economia e muitos eleitores dele que vemos nas pesquisas já põem esse tipo de declaração “no preço”:
“O cara é assim, fala esse tipo de coisa, mas talvez seja a
oportunidade de fazer uma coisa diferente”. Ele tem um grande potencial.
Ele é favorito para levar em um eventual segundo turno se for contra o
PT. Por último, numa coisa mais metodológica nossa aqui e que todos os
institutos vão ter, é que muita gente não fala que vota no Bolsonaro. Se
você perguntar todas as questões de costumes, a pessoa concorda com
Bolsonaro, mas não declara voto. Na hora da urna, sim. Isso aconteceu
muito com o Donald Trump. Temos que monitorar isso com muito carinho.
P. E estrutura partidária? Tempo de TV? Bolsonaro consegue driblar essas carências?
R.
Ele já é conhecido e ele não precisa muito de apresentação. Se
precisasse, o tempo de TV seria muito mais relevante. A minha hipótese é
que a televisão está perdendo espaço no tempo que as pessoas dedicam às
campanhas eleitorais. A audiência do programa eleitoral é um U: começa
alta na primeira semana, vai caindo e depois volta no final, mas o ápice
da audiência do programa eleitoral foi em 2008, com 25 pontos. No ano
passado, foram cinco pontos. As pessoas acompanham muito mais pelo
celular, inclusive no campo popular. E isso dá vantagem ao Bolsonaro. O
principal problema dele é que suas propostas não têm elaboração - ainda.
Se ele tiver uma campanha razoavelmente organizada, basta 30 segundos
para fazer a fala dele e deu… E ele ter pouco tempo pode até ser uma
coisa favorável.
P. Por que não vai precisar se expor ou ter dinheiro para o programa?
R.
Sim. E minha hipótese é que ele vai declinar pedido de entrevista,
sabatina, para não cair em armadilha. Como disse, se tem uma eleição
onde um partido pequeno com pouco tempo de TV pode se dar bem, é essa.
Temos o risco de ter os dois principais partidos, PT e PSDB, fora do
segundo turno. Hoje é um risco real. É uma eleição diferente.
P. Se houver mesmo uma melhora na economia esse quadro não se altera?
R.
O Governo é mal avaliado e o potencial de transferência de voto, nesse
contexto, é mínimo.As pessoas percebem que houve melhora econômica, mas
não tem nenhum entusiasmo e não associam isso ao Governo Temer. Elas não
têm expectativa de que vai melhorar muito. Nem que vai mudar
radicalmente. Então, o tema da economia, a busca da estabilidade não vai
ser um grande fator na hora de buscar um candidato.
P. Qual o peso da entrada do Facebook e do Google na campanha paga?
R. A entrada do Google e do Facebook
é uma discussão enorme. Em termos gerais, mudou a lógica. Nós vivíamos
uma época de superoferta de recursos nas campanhas e as pessoas não se
preocupavam em gastar da melhor maneira. A cultura da campanha
brasileira é a da TV: falar com mais gente possível. E agora isso vai
ter que mudar. Vamos ter que pensar em nicho. A minha experiência nos
EUA é a seguinte: para esse tipo de campanha funcionar, tem que ter uma
inteligência por trás para otimizar os recursos e conhecer o público
dela. O Facebook e o Google não fazem filtro para você. Eles executam.
Se não tiver isso, vai acontecer o que sempre ocorre nos EUA: nas
últimas semanas de campanha, tem uma super oferta de política nas timelines. Todo mundo vai impulsionar (pagar para que o conteúdo apareça para mais gente) e as pessoas vão começar a receber post
de todos os lados. Do ponto de vista do custo, é preciso investir mais
para ter o mesmo efeito que você teria antes. Sem inteligência, pode ser
desperdício de dinheiro.
P. De todo modo, Bolsonaro, com maior número de seguidores no momento, larga na frente?
R. Bolsonaro certamente larga na frente, mas o algoritmo mudou radicalmente nas últimas semanas.
Mesmo quem tem milhões de seguidores vai ter de pagar. Larga na frente,
mas ele não tem mais esperança de fazer algo orgânico (sem pagar). Uma
vantagem do Bolsonaro é que a maioria dos seus seguidores é espontâneo.
Não tem nenhum aparato por trás.
P. E os seus seguidores são muito engajados, que é uma métrica que o Facebook está dizendo que vai valorizar.
R. Sim, mas não se iluda. Ele vai ter de colocar recursos porque a nova matriz do Facebook demanda recurso.
P. Você viveu a campanha norte-americana. Qual o peso que você acha que as fake news tiveram lá e podem ter aqui?
R. Quero reforçar que eu sempre trabalhei do lado dos democratas. Não acredito no modelo fake news
de campanha porque ele é incontrolável e é desonesto. O modelo de
engajamento é muito mais saudável e também muito mais vencedor. O
impacto do Trump é gigantesco, o papel das fake news foi enorme, mas ele não é a regra. Aconteceu nos EUA, aconteceu na França, na Alemanha, na Holanda. As fake news estão presentes em todas as campanhas em qualquer lugar do mundo.
P. Mas com pesos diferentes? Na França não parece ter tido tanto impacto como nos EUA...
R.
Na França parece que não teve porque o herói, entre aspas, venceu. Mas
teve bastante, sim. Macron sofreu ataque de hackers, que muitas vezes
são os mesmos que fazem fake news. O que eles fazem é muito inteligente no sentido que eu falava antes: eles mandam fake news
para grupos específicos onde eles sabem que isso vai fazer diferença.
Não é um escândalo que sai no Jornal Nacional. Aquele é o nicho que
precisa trabalhar? Então eles vão criar uma notícia falsa para atender
aquele nicho. É muito mais fora do radar. O WhatsApp vai ser mais decisivo na campanha brasileira do que o Facebook. Vai ter muita fake news. E a melhor coisa para combater fake news
é o contato cara a cara. A melhor forma é seu vizinho chegar e dizer:
olha, isso não é verdade. Por isso que a integração tecnologia-rua,
tecnologia-pessoas, é fundamental. Em todos os lugares em que a mensagem
contra as fake news foi cara a cara, o grau de convencimento é
monstruosamente maior do que mandar um WhatsApp e isso a gente está medindo. A operação no campo é fundamental para destruir as fake news.
P. No que consiste a parceria de vocês com Guillaume Liegey, que foi um dos marqueteiros de Macron e esteve no Brasil no começo do mês?
R.
Na nossa parceria, o elemento principal é justamente intercâmbio de
tecnologias. Compartilhamos as lições aprendidas no processo eleitoral
francês e depois no Congresso. O que eles (o grupo de Liegey) deram foi o
aparato tecnológico para o movimento do Macron, o En Marche!
De prático, além de eles capturarem cidadãos comuns para pedir voto,
através da tecnologia eles conseguiram chegar a cidadãos que poderiam
virar candidatos. Fizeram com que pessoas que não estavam nem no radar
dos partidos políticos, mas que tinham envolvimento local, comunitário,
participassem. Foi principalmente uma campanha de escuta e, com essa
escuta, e através da rua e da tecnologia, eles conseguiram criar um
reservatório de informação sobre as demandas das pessoas. Nisso, a gente
é complementar. Nós entramos com a tecnologia para uso de big data,
temos a conexão com 600.000 pessoas que a gente entrevista via
aplicativo. A principal lição para mim é que não existe mais tecnologia
compartimentada. Existe a mídia social, a TV, a rua, mas é a integração
de tudo que produz inteligência, que faz diferença para você poder
segmentar, otimizar recursos.
P. Há um oceano de
diferenças entre a França ou os EUA e o Brasil. Eleição distrital, uso
mais ou menos intenso de redes, escolaridade. Não é um obstáculo muito
grande para importar?
R. Sim, tem um abismo de
diferença, principalmente para você desenvolver qualquer ação de porta
em porta, para engajar as pessoas. Por outro lado, a gente está num
momento em que não se faz quase nada no Brasil. Os partidos não procuram
os cidadãos ativamente. Esse diálogo não existe. Entre o nada e as
experiências que a gente tem no exterior, há um espaço monstruoso. Temos
de pensar que o Brasil ainda tem um monte de cidades médias onde é
possível e há bairros nas grandes cidades onde isso é possível. Dá para
replicar uma experiência em sua plenitude? Dificilmente. Mas dá para
engajar muito mais do que fazemos hoje. Uma coisa é você tentar vender
ou promover essa classe política, outra coisa é você tentar fazer elas
participarem da vida e das coisas públicas. Dizer que a cidadania vai
além do voto. Foi o que esses movimentos cívicos pelo mundo trouxeram.
Esse tipo de engajamento local começa a fazer diferença.
P. Onde vocês acha que esse tipo de tecnologia pode ter mais impacto? Nas Legislativas?
R.
Acho que há um certo espaço de renovação nas eleições proporcionais. É
um espaço onde as pessoas não se sentem representadas, nas quais a
honestidade é o principal atributo, ainda que as pessoas quase não
lembrem em quem votaram para deputado federal. Essa aproximação usando a
tecnologia vai ser muito útil para dialogar com esses nichos de
eleitores e buscar os grupos certos para determinadas propostas. Temos
que lembrar que na eleição proporcional a TV tem pouco papel. A
integração do offline com o online vai ser um benefício muito grande, no
mínimo, para o eleitor conhecer melhor seus candidatos. Por outro lado,
acho que vai ter uma eleição para o Congresso muito sênior, com
ex-governador, ex-senador sendo candidato a deputado federal e isso
diminui um pouco o espaço de renovação. Eles podem até não serem os mais
populares, mas devem conseguir os votos para serem eleitos. A chance do
PT ficar menor é alta, mas eles têm uma estratégia inteligente de botar
muitos caciques como candidatos a deputado federal. Talvez isso
minimize o custo da Lava Jato.
FONTE; EL PAÍS
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