Nesta quinta-feira, o ídolo da direita será recebido por milhares de
pessoas no aeroporto, desfilará pela cidade em carro de som e vai
terminar o roteiro com uma palestra em lugar com capacidade para 1,3 mil
pessoas - as vagas estão concorridíssimas. É a primeira visita do
deputado à cidade nos últimos dois anos - e há uma desconfiança geral
entre seus seguidores de que possa existir um "ataque" de militantes de
esquerda durante a estadia do parlamentar.
Segundo seus seguidores, ativistas de esquerda e feministas chegaram a
criar eventos em redes sociais para tentar inchar um protesto contra o
parlamentar - depois, dizem, as publicações foram apagadas. O medo,
principalmente, é de que Bolsonaro seja alvo de uma ovada - como
aconteceu em Salvador com João Doria (PSDB), prefeito de São Paulo e
também pré-candidato à Presidência.
Grupos de fãs de Bolsonaro querem tentar impedir que isso aconteça.
Um deles, o "Endireita Pará", recrutou um time de 20 seguranças, todas
mulheres, para serem "guarda-costas" do congressista conservador.
Motoqueiros também vão passar pelo trajeto para tentar descobrir
"inimigos" pelo caminho - caso encontrem, a rota deverá ser modificada.
No início da tarde, horas antes de Bolsonaro desembarcar na cidade,
"batedores" vão circular pelo aeroporto para tentar identificar
"possíveis esquerdistas". Os apoiadores esperam lotar o saguão do local
para recepcionar o pré-candidato, assim como já ocorreu em outras
cidades do país.
O grupo escolheu mulheres para a segurança por
dois motivos: a primeira razão seria uma forma de "quebrar o
estereótipo" de que Bolsonaro seria machista e misógino. Essa fama
cresceu após declarações do deputado, como a em que afirmou que Maria do
Rosário (PT), sua colega de Congresso, "não merecia ser estuprada" por
ele, e a vez em que disse: "Tenho cinco filhos. Foram quatro homens, a
quinta eu dei uma fraquejada e veio uma mulher".
Para os militantes, declarações como essas são tiradas do contexto
para imprimir uma imagem de machismo. No caso de Maria do Rosário, por
exemplo, eles dizem que Bolsonaro estava defendendo castração química
para estupradores, uma de suas principais bandeiras - Maria do Rosário é
contra.
"Se você analisar, vai ver que pegam várias frases dele e
fazem como uma montagem. Coisas que não têm procedência. Eu já fui para
Brasília, eu o conheci, ele é super tranquilo. Sou mulher e ele me
recebeu. Ele não me passou isso, de ser preconceituoso, de ser rígido,
como dizem", diz a produtora de eventos Drica Pinheiro, de 35 anos, uma
das seguranças na quinta-feira.
O outro motivo para a formação do
time feminino é mais prático. Os militantes querem evitar que ocorra um
conflito entre feministas e algum seguidor homem, o que repercutiria de
forma negativa.
"A esquerda está infiltrando mulheres para criar
confusão, jogar ovos. Se tivesse segurança homem, poderia ter conflito.
Então o trato vai ser de mulher para mulher", afirma Pinheiro.
Na
tarde de terça-feira, integrantes do Endireita Pará se encontraram na
beira da piscina de um hotel de Belém para organizar as ações.
Tudo pela família brasileira
Magalhães
conta que vive esse embate ideológico dentro de sua própria casa. Seu
filho, um estudante de publicidade de 21 anos, é de esquerda - o que ela
considera ruim. "Foi nisso que eu errei, só depois vi que tinha
palestra do PSOL na faculdade. Não percebi e ele foi doutrinado", diz.
A
estudante é uma das fundadoras do Endireita Pará, que tem dezenas de
participantes, a maioria mulheres conservadoras - o grupo se corresponde
pelo WhatsApp e se encontra regularmente.
Começou assim: em 2013, Magalhães visitou a escola onde estuda sua
outra filha, hoje com dez anos. Descobriu que o colégio conversava com
os alunos sobre homossexualidade.
"Fiquei revoltada. Todo aquele
papo de kit gay (material sobre questões de gênero que teve distribuição
cogitada no governo Dilma Rousseff). Comecei a reunir algumas mães para
conversar sobre isso, depois evoluiu para política. Fui procurar um
político que falava sobre o que eu acreditava. Encontrei o Bolsonaro."
A funcionária pública Joana (nome fictício, a pedido dela), de 49 anos, também foi neste embalo.
"A
nossa principal afinidade com Bolsonaro é sobre família. Nós
acreditamos nas propostas dele para a família brasileira, que está sendo
destruída. Somos contra ideologia de gênero e somos a favor da escola
sem partido (projeto que propõe proibir professores de 'doutrinar
ideologicamente seus alunos')."
Nem sempre Joana foi de direita, ela confessa já ter votado em quem hoje é seu arqui-inimigo.
"Já
votei na esquerda. Confesso que, em 2002, votei no (ex-presidente)
Lula. Eu acreditava na proposta que ele tinha para a educação e fui
iludida", diz.
Culpa por Dilma
Há
entre os militantes de Bolsonaro no Pará um certo sentimento de "culpa"
em relação ao segundo turno das eleições de 2014. De certa forma, eles
acreditam que Dilma Rousseff (PT) só ganhou a reeleição porque "virou" a
disputa contra o senador Aécio Neves na Região Norte. Ou seja, ela
estaria perdendo até que os votos da área fossem computados. Não há
comprovação de que isso tenha ocorrido de fato - a enorme maioria dos
votos foi divulgada de uma só vez.
Historicamente, no entanto,
candidatos a presidente pelo PT ganham de seus adversários no Pará. Em
2002, por exemplo, Lula teve 52% dos votos no Estado no segundo turno.
Em 2006, foram 60%. Quatro anos depois, Dilma teve 52% - em sua
reeleição, em 2014, a petista chegou a 57% dos votos.
Uma pesquisa
Datafolha, divulgada nesta semana, mostrou que Lula lidera o cenário
para as eleições de 2018 com 36% das intenções de voto; Bolsonaro tem
16% e Marina Silva (Rede), 14%.
No Pará, os fiéis de Bolsonaro querem virar esse cenário.
"O
PT não vence mais aqui, essa situação mudou. A direita hoje é mais
forte e tenho certeza de que Bolsonaro ganha no Pará", diz o empresário
Magno Guerra, de 47 anos, um dos organizadores do evento com o deputado
conservador.
Guerra também admite: já votou em Lula em algumas eleições.
"Eu
achava que ele tinha feito coisas boas, como ampliar o crédito para
pessoas mais pobres, dar bolsa para os jovens estudarem, estimulou a
economia. Mas depois, com os escândalos, vi que tudo era uma máscara
para esconder a corrupção do PT", diz.
Condenado por corrupção, Lula sempre negou qualquer desvio.
Hoje,
o empresário é a favor de que Bolsonaro, caso ganhe a eleição, feche o
Congresso Nacional para excluir os "corruptos" que estão lá.
Invasão, espionagem, xingamentos
Em
Belém, a "guerra" entre fãs do deputado e eleitores da esquerda também
está ocorrendo em grupos de WhatsApp. Desde segunda-feira, a BBC Brasil
participa de grupos de discussão com fãs de Bolsonaro e de Lula no Pará.
Na maior parte do tempo, eles defendem as ideias dos dois políticos e
falam sobre a chegada do deputado a Belém. No entanto, os participantes
de ambos os lados invadem os grupos rivais - isso é possível porque o
convite para fazer parte da conversa é público. Quando entram, os
apoiadores espionam a conversa dos adversários, fazem xingamentos contra
o lado oposto, propaganda de seu político favorito e, depois, acabam
excluídos pelos administradores - únicos com esse poder. Segundo
ativistas de direita, foi com esse método que descobriram um plano de
protesto contra Bolsonaro em Belém.
Há um objetivo maior e mais
difícil na invasão: a ideia é colocar um nome falso de apresentação no
aplicativo, fingir ser um apoiador do rival, ganhar confiança dos
participantes e tornar-se um administrador. Depois, o mentiroso apaga o
grupo adversário, que tinha centenas de pessoas. Um militante de direita
conseguiu excluir um fórum de apoio a Lula na terça - ele se vangloriou
para os colegas. Para evitar que isso ocorra com o grupo, o Endireita
Pará restringiu os participantes e ficou com apenas três administradores
fixos.
Na manhã de terça, seguidores do parlamentar criaram outra
brincadeira: mandaram mensagens para rádios locais, pedindo músicas. Ao
se identificarem, trocavam o sobrenome para o de Bolsonaro.
Doria quer aparecer na cidade do Círio
Outro
pré-candidato a presidente vai dar as caras em Belém nesta semana. João
Doria deve receber o título de cidadão da cidade na sexta-feira - a
mesma homenagem foi recusada a Bolsonaro pelos vereadores. O tucano vai
aproveitar o Círio de Nazaré para se mostrar a dois milhões de pessoas
que estarão nas ruas neste fim de semana.
Devotos de Bolsonaro no
Pará se dividem em duas correntes em relação a Doria. Há aqueles que
admiram seu perfil de "gestor" e acreditam que ele seja de direita e
conservador - para estes, o tucano seria uma alternativa. Outros veem o
prefeito como um bom político, mas que tem viés esquerdista, assim como
seu partido - que está envolvido em casos de corrupção.
"Ele se
diz de direita, mas é a favor da ideologia de gênero e do desarmamento.
Ele tem segurança. Nós é que vivemos a violência, temos o direito de ter
uma arma. Ele quer que a gente se defenda dos bandidos como, com uma
sombrinha?", pergunta Nana Magalhães.
Drica Pinheiro faz outra crítica. "Para mim, existe o cavalo de Doria: você quebra e sai um monte de tucano de dentro."
'Os esquerdistas'
Doria e Bolsonaro não estarão ao mesmo tempo na cidade do Círio de Nazaré.
Antes
de ir embora, o parlamentar vai fazer uma palestra em um centro de
eventos - o aluguel do espaço custou R$ 9 mil. A organização e os custos
ficaram a cargo do deputado federal Éder Mauro (PSD), um ex-delegado do
Pará e amigo do pré-candidato a presidente. Mauro espalhou cartazes
pela cidade anunciando o evento na quinta.
O dono do salão, que
preferiu não se identificar, afirmou ter receio de que ocorra uma
confusão em seu imóvel - o local tem capacidade para 1,3 mil, mas 7 mil
pessoas se inscreveram.
"Isso (conflitos com seguidores da
esquerda) não tem a mínima possibilidade de acontecer. Os eventos vão
ter segurança, também avisei a polícia. Serão milhares de pessoas.
Duvido que grupos radicais tentem alguma coisa", disse Mauro, por
telefone.
Drica Pinheiro, uma das seguranças de Bolsonaro, faz uma provocação aos adversários políticos.
"Estamos preparando nossa segurança, mas olha, eu conheço o perfil dos esquerdistas do Pará: eles são medrosos."
Fonte; BBC BRASIL
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