segunda-feira, 6 de maio de 2024

2024: Justiça condena Município de São Luís Gonzaga/MA a recuperar ponte da Zona Rural (Santa Rita do Epifânio)

 SENTENÇA

 

Cuida-se de Ação Civil Pública c/c Pedido de Obrigação de Não Fazer c/c Pedido de Antecipação de Tutela ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL em face do MUNICÍPIO DE SÃO LUÍS GONZAGA DO MARANHÃO, ambos devidamente qualificados nos autos do processo em epígrafe.

2024: Justiça condena Município de São Luís Gonzaga/MA a recuperar ponte da Zona Rural (Santa Rita do Epifânio)



O autor aduz, em síntese, que instaurou a Notícia de Fato nº 000328-067/2023, com o objetivo de apurar situação da ponte localizada no Povoado Santa Rita do Epifânio, zona rural deste Município, em razão da publicação contida em redes sociais, dando conta que houve atolamento do ônibus de transporte escolar que serve os povoados Santarém, Olho D’Água e Centro do Elias.




Consigna que, realizada de inspeção no referido povoado, constatou-se o seguinte: “Ao chegarmos no local, verificamos que a ponte realmente está caída e que segundo algumas pessoas que passavam no local, a situação está dessa forma desde o final do ano de 2022; Que foi adaptada uma pequena ponte para passagem apenas de pedestres, bicicletas e com risco, motocicletas; Que para passagem de veículos maiores, como carros, caminhões e ônibus, sem prejuízo de passagens de pessoas, bicicletas e motocicletas, foi feito um desvio ao lado da ponte; Que durante a inspeção, o desvio estava em razoável estado para tráfego, porém, percebemos que a correnteza do riacho que passa no local estava um pouco forte e que com o tempo poderia ceder o desvio; Que no dia 08.09.2023, em razão de outra execução de mandados, passamos no mesmo local, onde na oportunidade, realizamos uma nova vistoria na ponte, em que percebemos que foram feitas melhorias no desvio, acrescentaram uma nova camada de piçarra, bem como um reforço com tábuas, dificultando com que a água tocasse diretamente o desvio, tornando-o, dessa forma, mais resistente e duradouro; Que em ambas as vistorias foram efetuados registros fotográficos, conforme imagens anexas (RELAT-PJSLG - 162023)”.




Pontua que oficiou ao ente federado demandado, o qual informou: “Sobre o fato, informamos a Vossa Excelência que o local mostrado nas mídias foi um desvio provisório realizado pelo município enquanto se providencia a manutenção da ponte que faz parte da rota natural dos ônibus. Após o ocorrido, foi feito um novo serviço no local e os ônibus escolares se encontram trafegando normalmente. Não houve queda do ônibus escolar da ponte como foi noticiado em alguns blogs, uma vez que aquela se encontra desativada na espera de recursos federais para sua construção em concreto” (Ofício 027/2023 – PGM).

Realça que, questionado acerca da estimativa de prazo para a reconstrução da ponte localizada no Povoado Santa Rita do Epifânio (OFC-PJSLG-2542023), o Município se limitou a dizer que seria “o mais breve possível”, conforme Ofício 032/2023 – PGM.

Enfatiza que, por conta disso, foi expedida a Recomendação Administrativa REC-PJSLG – 52023, para que o Município de São Luís Gonzaga do Maranhão adotasse todas as providências necessárias para a imediata solução do problema narrado, com a reforma da ponte localizada no Povoado Santa Rita do Epifânio, zona rural deste município, para permitir o tráfego seguro de veículos e pessoas pelo local, no prazo de 30 (trinta) dias.

Afirma que, em resposta, o ente federado voltou a alegar tão somente a existência de um projeto para construção da referida ponte em concreto armado à espera de recursos federais (Ofício 001/2024 – PGM).

Assim, pugnou pela concessão de tutela de urgência, para determinar ao referido Município proceder, no prazo de 30 (trinta) dias, com as providências para a reforma da ponte localizada no Povoado Santa Rita do Epifânio, zona rural deste município, para permitir o tráfego seguro de veículos e pessoas pelo local, sob pena das sanções cabíveis à espécie.

Decisão indeferindo a antecipação da tutela e determinando a citação do requerido (ID 111710090).

Em que pese ter sido devidamente intimado, conforme se verifica em ID 112048958, o ente federado permaneceu inerte.

Despacho determinando a intimação das partes para se manifestarem acerca do interesse de produzir provas (ID 116732595).

O autor pugnou pelo julgamento antecipado do mérito (ID 116789757) ao passo que o requerido permaneceu inerte.

Vieram-me os autos conclusos.

É o relatório. Decido.

Perlustrando os autos, verifico que o requerido foi devidamente citado, contudo, manteve-se inerte, não apresentando nenhuma irresignação quanto aos fatos suscitados pela parte requerente, motivo pelo qual decreto a revelia do demandado, com fulcro no art. 344 do CPC, em que pese a inaplicabilidade dos efeitos materiais da revelia à Fazenda Pública, haja vista a Supremacia do Interesse Público e sua Indisponibilidade, consoante dispõe o art. 345, II, do Código de Processo Civil.

Em continuidade, cumpre registrar que, no presente caso, não houve cerceamento de defesa, eis que as partes tiveram oportunidade de requerer a produção de provas em juízo, todavia, não o fizeram, sendo, pois, aceitável o julgamento do mérito com base nas provas acostadas aos autos, com supedâneo no art. 355, I, do CPC.

O autor pretende compelir a Administração Pública municipal a adotar determinada política pública, qual seja, a adoção de providências necessárias à recuperação de ponte localizada no Povoado Santa Rita do Epifânio, zona rural deste Município, adequando-a a todas as exigências técnicas de segurança e acessibilidade.

Acerca da matéria, pontue-se que a separação de Poderes propicia que as políticas públicas fiquem sob o comando do Executivo, único que dispõe da possibilidade de – avaliando a integralidade das necessidades coletivas em comparação com os recursos disponíveis – eleger as prioridades. Apenas em casos extremos, de omissão que se torne praticamente um abuso de direito, negligenciando injustificadamente valores constitucionais, a intervenção jurisdicional não é apenas admissível, mas imprescindível.

Em outras palavras, não há qualquer óbice ao controle de políticas públicas pelo Poder Judiciário, seja alvejando a implantação deficiente destas, seja censurando a omissão na implementação dos programas governamentais comandados pelo ordenamento jurídico.

Sabe-se que é dever do Poder Público Municipal ditar políticas públicas na área de transporte, mobilidade e segurança no âmbito local, a teor do disposto no art. 6º, caput, da Constituição Federal (CRFB/88), cabendo ao Poder Judiciário reparar ilegalidades, consoante previsão do art. 5º, XXXV, da CRFB/88, desde que se verifique omissão administrativa no atendimento desse mister.

In casu, pelas fotografias apensadas aos autos (ID 111479529, p. 12-31), vê-se que a impossibilidade de tráfego sobre a referida ponte, em razão da falta de manutenção e verdadeiro abandono das vias públicas municipais.

Destarte, conclui-se que a omissão do ente federado demandado em adotar as providências de reforma e manutenção da referida ponte viola uma série de direitos, tais como, o direito à vida, à segurança (art. 5º da CRFB/88) e à mobilidade dos moradores. Ademais, põe em risco outros direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, como a saúde dos que nela trafegam.

Permitir que situações como as narradas, em que os transeuntes encontram-se expostos a riscos para trafegar na via em questão, sem que haja alternativa adequada para o tráfego entre a zona rural e a sede deste município implica em evidente afronta à dignidade da pessoa humana, situação que não pode ser mantida, malferindo, inclusive, o direito de ir e vir dos moradores da região afetada.

Não se descura que a Administração Pública detém certa esfera de liberdade (discricionariedade) quanto à definição de suas prioridades e áreas de atuação, tampouco se desconsidera que há limitações fáticas e jurídicas (sobretudo orçamentárias).

Por sua vez, não é dado ao Poder Público, a pretexto de não haver previsão orçamentária, ou de falecer de recursos materiais – argumentos inerentes à teoria da “reserva do possível” –, obstaculizar a plena efetivação do direito social fundamental da assistência aos desamparados (art. 6º da CRFB/88), inerente à consubstanciação do mínimo existencial, que integra o núcleo essencial do princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CRFB/88) e reclama prestações estatais positivas.

Em situações semelhantes, a jurisprudência é pacífica no sentido da possibilidade de que o Poder Judiciário determine a implementação de políticas públicas, especialmente quando se está diante de medidas necessárias à consecução de direitos consagrados pela Constituição Federal. Nesse sentido:

DIREITO CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DEFENSORIA PÚBLICA. AMPLIAÇÃO DA ATUAÇÃO. OMISSÃO DO ESTADO QUE FRUSTRA DIREITOS FUNDAMENTAIS. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS. CONTROLE JURISDICIONAL. POSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. OFENSA NÃO CONFIGURADA. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 22.10.2007.[...] O acórdão recorrido não divergiu da jurisprudência da Suprema Corte no sentido de que é lícito ao Poder Judiciário, em face do princípio da supremacia da Constituição, em situações excepcionais, determinar que a Administração Pública adote medidas assecuratórias de direitos constitucionalmente reconhecidos como essenciais, sem que isso configure violação do princípio da separação dos Poderes. Precedentes. O exame da legalidade dos atos administrativos pelo Poder Judiciário não ofende o princípio da separação dos Poderes. Precedentes. Agravo regimental conhecido e não provido". (AI 739151 AgR, Relator(a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 27/05/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-112 DIVULG 10-06-2014 PUBLIC 11-06-2014).

Por oportuno, frise-se a referida ponte é importante equipamento rural, que serve aos interesses e necessidades da população da zona rural, viabilizando a mobilidade e desenvolvimento socioeconômico deste município, portanto, a manutenção de condições estruturais adequadas é fator determinante para a plenitude das funções sociais da cidade, bem como dos moradores dos povoados desta municipalidade.

A manutenção da ponte é importante para a população rural, em especial no deslocamento para as atividades escolares das crianças e jovens que necessitam trafegar sobre a ponte, e ficam impedidos de frequentar às aulas devido às péssimas condições em que se encontra a referida construção.

Também o escoamento da produção agrícola para comercialização das mercadorias da agricultura familiar é condição de sobrevivência das pessoas que produzem no campo e para sua qualidade de vida, bem como os alimentos produzidos pelas agricultoras e agricultores são fundamentais para o abastecimento de feiras, mercados públicos e privados, garantindo a segurança alimentar das comunidades do município.

Não bastassem isso, moradores das regiões circunvizinhos ficam impossibilitados de receber os benefícios de outras políticas públicas, tais como, a visita de Agentes Comunitários de Saúde, divulgação de campanhas de vacinação em crianças e idosos, realização de vacinação, transporte escolar, o que também coloca em risco a integridade física, saúde e vida das pessoas que habitam a zona rural deste município.

Não é despiciendo considerar que a falta de manutenção em pontes pode provocar graves acidentes com vítimas fatais, relevantes danos materiais, crise econômica e social, desabastecimento de alimentos, combustível, remédios, dentre outros problemas críticos. Dessarte, indene de dúvidas assistir razão ao autor.

Nesse sentido, traz-se à baila o entendimento jurisprudencial, in verbis:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA- OBRIGAÇÃO DE FAZER – REFORMA/MANUTENÇÃO DE PONTE SOBRE RIO QUE INTERLIGA OS MUNICÍPIOS REQUERIDOS – ESTRUTURA COMPROMETIDA – CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO COMPROVADO PELO MUNICÍPIO – PROCEDÊNCIA DO PEDIDO INICIAL – SENTENÇA RATIFICADA. Constam nos autos, laudos técnicos e fotos comprovando a situação em que se encontrava a referida ponte, considerando que é de madeira e sua estrutura estava comprometida. No caso presente, a ponte de madeira sobre o Rio Verde interliga as estradas vicinais existentes no território dos municípios demandados, de modo que cumpre aos mesmos o dever de zelar pela manutenção, conservação e sinalização desse bem público, de modo a resguardar a segurança viária dos usuários que trafegam pela mesma.(TJ-MT 10028405220178110045 MT, Relator: MARIO ROBERTO KONO DE OLIVEIRA, Data de Julgamento: 18/10/2022, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 26/10/2022).

Ao final e ao cabo, consigno que o próprio Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão já enfrentou tema análogo ao discutido nestes autos e naquela ocasião, entendeu pela possibilidade de determinação da reforma de uma ponte, em atendimento ao direito de locomoção das pessoas, conforme se infere pelo seguinte julgado, de relatoria do Excelentíssimo Desembargador Jorge Rachid Mubárack Maluf, verbis:

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REFORMA DE PONTES. PRECARIEDADE VERIFICADA. DIREITO À LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. INOCORRÊNCIA. I - Verificando-se, através de fotos e de depoimento de testemunhas, a precariedade das pontes que ligam os povoados de São Domingos e Campo Grande à zona urbana do Município de Santa Luzia, cabe ao Ente Público reformá-las, tendo em vista que a liberdade de locomoção é um direito fundamental, previsto na Constituição Federal. II - Não há que se falar em ofensa ao princípio da separação dos poderes quando o Judiciário limita-se a determinar o cumprimento de mandamento constitucional. III - A multa cominatória tem por finalidade pressionar psicologicamente o devedor, a fim de desestimulá-lo ao descumprimento da lei, bem comode dar efetividade às decisões judiciais, fazendo com que aquele por ela obrigado à respeite, cujo valor deve atender aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade (TJ/MA - APELAÇÃO CÍVEL Nº 628/2015 - SANTA LUZIA - PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL - NÚMERO ÚNICO: 0001438-85.2010.8.10.0057 - Relator: Des. JORGE RACHID MUBÁRACK MALUF - Sessão do dia 10 de setembro de 2015)

Assim sendo, não há outra medida, senão a procedência dos pedidos formulados na inicial.

Diante dessas razões e nos termos dos fundamentos supra, JULGO PROCEDENTES os pleitos autorais, extinguindo o feito com resolução do mérito, com supedâneo no art. 487, inciso I, do Código de Processo Civil, para CONDENAR o MUNICÍPIO DE SÃO LUÍS GONZAGA DO MARANHÃO a promover, no prazo de 30 (trinta) dias, ações emergenciais para recuperação e reforço da estrutura, das patologias das armaduras, vigas metálicas e dos cobrimentos encontrados nas ferragens expostas em peças estruturais da ponte do Povoado Santa Rita do Epifânio, zona rural deste Município, assim como a correção dos problemas detectados no relatório apensado à exordial, e forma a eliminar os riscos de colapso da referida ponte, nos termos das normas técnicas legais.


Fixo, para o cumprimento da obrigação de fazer imposta, multa diária no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), em caso de descumprimento desta decisão judicial, que incidirá automaticamente após o transcurso do prazo para cumprimento voluntário, sem prejuízo de sua majoração caso se mostrar necessária, limitada em qualquer das hipóteses a R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), nos termos do art. 11 da Lei nº 7.347/85 e do art. 536, §1º, do CPC, a ser revertida ao Fundo Estadual de Proteção dos Direitos Difusos – FEPDD.

Intimem-se a parte demandada do inteiro teor desta sentença, para o seu cumprimento, devendo o ente público comprovar o atendimento à decisão judicial por meio de petição nos autos.


Intime-se, pessoalmente, o Sr. Prefeito Municipal, para ciência da presente sentença, ressaltando a possibilidade de aplicação de multa pessoal em todos em caso de descumprimento das obrigações estampadas nessa sentença.


Sem custas processuais e sem honorários advocatícios, na forma do art. 18 da Lei n.º 7.347/85.


A presente sentença fica submetida à remessa necessária, nos termos do art. 496 do CPC, devendo ser remetida do Tribunal de Justiça, após o prazo recursal.


Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Com o trânsito em julgado, arquivem-se os autos, com a devida baixa.

ESTA SENTENÇA DEVIDAMENTE ASSINADA SUPRE A EXPEDIÇÃO DE MANDADOS E OFÍCIOS.

São Luís Gonzaga do Maranhão/MA, data do sistema.


 

 

Diego Duarte de Lemos

Juiz de Direito

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