As falsificações de documentos geram prejuízos anuais de cerca de R$ 60
bilhões ao país, o que é facilitado pelo fato de haver cerca de 20
documentos de identificação utilizados pelos brasileiros. No mês
passado, foi sancionada a Lei 13.444/2017, que institui a Identificação Civil Nacional (ICN), cadastro único criado com o objetivo de dificultar fraudes.
Pela lei, nenhum documento será invalidado e os
brasileiros não serão obrigados a tirar um novo documento. O plano é
que, à medida que os cidadãos precisem renovar suas carteiras de
identidade, o novo documento seja gradativamente substituído.
A nova norma não é a primeira com o objetivo de unificar o documento de identificação, meta buscada há dez anos. Em 1997, a Lei 9.454
previra a criação de um número único de documento de identificação,
compartilhando bases de dados da União com estados e Distrito Federal,
cabendo aos entes da Federação operacionalizar e atualizar os dados.
Essa lei não resolveu o problema, segundo o
consultor legislativo do Senado Roberto Sampaio Contreiras,
provavelmente porque não foram tomadas medidas como a organização do
Cadastro Nacional de Registro de Identificação Civil e a realização de
convênios entre o Poder Executivo federal e os estados para a
implementação do número único.
Em 2009, outra lei retomou a tentativa (Lei 12.058, sobre repasse de recursos ao Fundo de Participação dos Municípios), mas o decreto que a regulamentava (Decreto 7.166/2010) não foi implementado e o projeto para regulamentá-la (PL 3860/2012) foi arquivado pela Câmara.
— Mas essas leis de 1997 e 2009 são diferentes
da que foi recentemente editada. A de 2017 tem outro foco. Cria um
sistema de identificação civil nacional centralizado na Justiça
Eleitoral, onde já estão sendo coletados os dados biométricos dos
eleitores. A ideia é aglutinar tudo num mesmo sistema: dados
biométricos, dados do Sistema Nacional de Informações de Registro, da
Central Nacional de Informações do Registro Civil [do Conselho Nacional
de Justiça], dos institutos de identificação civil dos estados e do
Distrito Federal e outros armazenados na Justiça Eleitoral — explica
Contreiras.
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deverá garantir acesso às informações aos governos municipais, estaduais e federal.
Biometria
O consultor esclarece que a nova lei não se
refere apenas à unificação de dados das diversas bases. Primeiramente,
será feito um cadastro central com dados da Justiça Eleitoral, inclusive
os biométricos, e de outros registros e cadastros, como o da Receita
Federal e dos estados. Só depois deve ocorrer a unificação do número no
Documento de Identificação Nacional (DIN). Pode ser usado o Cadastro de
Pessoas Físicas (CPF), que já é nacional, ou criado um novo número.
A lei prevê inicialmente a substituição do
título de eleitor pelo DIN, que também deverá conter o número do CPF e
outros dados. A previsão inicial é de conclusão do cadastro nacional
entre 2020 e 2021.
Para facilitar o controle no recebimento de
benefícios sociais, o poder público deverá oferecer mecanismos que
possibilitem o cruzamento de informações de bases de dados oficiais a
partir do número de CPF do solicitante, para comprovar o cumprimento dos
requisitos para a concessão do benefício.
A Lei 13.444/2017 atribui a gestão desse
trabalho ao TSE, sob a coordenação de um Comitê Gestor composto por
membros dos três Poderes da União, que regulamentará a lei.
A emissão do DIN será feita pelos cartórios
eleitorais e, posteriormente, a emissão poderá ser expandida para outros
órgãos da administração pública, como os institutos de identificação
civil dos estados e do DF e outros órgãos (como as entidades de classe)
que se adequarem ao novo padrão e receberem delegação do TSE.
Passaporte
De acordo com o relator do projeto na Câmara,
deputado Júlio Lopes (PP-RJ), apenas passaporte e Carteira Nacional de
Habilitação não serão substituídos pelo DIN.
— O primeiro, porque é uma exigência de outros países, e a segunda porque pode ser retida pelo órgão de trânsito.
Mas, além do título de eleitor, o DIN deve vir a
substituir o RG (registro geral ou carteira de identidade, que hoje tem
um número diferente em cada estado e no DF), a carteira de trabalho, o
documento de CPF, as certidões de nascimento e de casamento, o número de
contribuição para o PIS/Pasep, o cadastro em programas sociais do
governo e o certificado de reservista.
Carteiras profissionais
O DIN também deve unificar a carteira de
identificação militar; as carteiras profissionais, como da Ordem dos
Advogados do Brasil (OAB) ou da Federação Nacional dos Jornalistas
(Fenaj); e as carteiras de identificação funcional, emitidas pelas
entidades de classe, como os Conselhos Regionais de Engenharia e
Agronomia (Crea) e de Medicina (CRM), e pelos departamentos de recursos
humanos dos órgãos públicos de alcance federal, estadual e municipal.
— O DIN não é obrigatório, mas, à medida que for
ganhando credibilidade e notoriedade no dia a dia, a tendência é que
seja exigido, sobretudo nas relações comerciais, por questão de
segurança. Isso porque, com a unificação das bases de dados, ficará mais
difícil para os estelionatários criarem vários RGs e darem golpes no
mercado — explica Roberto Contreiras.
O projeto que originou a lei (PLC 19/2017) foi iniciativa dos então ministros da Micro e Pequena Empresa, Guilherme Afif Domingos, e da Justiça, José Eduardo Cardozo.
Segurança
Afif, que hoje é presidente do Serviço
Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), explicou que
com a nova documentação será possível amenizar os prejuízos causados por
fraudes por dupla ou tripla identificação ou falsidade.
— A tendência é unificar a partir de um só
número, que englobará os demais, referentes aos outros documentos. As
pessoas vão entender que esse número será o mais confiável para a
identificação do cidadão.
Na avaliação do relator do projeto no Senado,
senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), a medida facilitará as relações
entre o poder público e os cidadãos.
— A grande vantagem dessa proposta é criar um
único e grande cadastro nacional relativo a todos os cidadãos. O Brasil é
um país de dimensões continentais, mas que até os dias de hoje possui
bancos de dados com registros de identidade separados por estado. A
universalização dos documentos, portanto, vai coibir falsificações e
permitir um acesso mais rápido dos cidadãos aos benefícios a que têm
direito — explica o senador.
O novo documento terá biometria, fotografia e
está em estudo a possibilidade de também ter um chip, como os de cartões
de crédito, para dificultar a
falsificação. O CPF deverá ser o principal número, não havendo uma nova numeração do RG. Segundo Anastasia, a questão também é uma medida de segurança.
falsificação. O CPF deverá ser o principal número, não havendo uma nova numeração do RG. Segundo Anastasia, a questão também é uma medida de segurança.
— O objetivo é permitir que os números sejam
compartilhados por diversas entidades governamentais, para dar mais
confiabilidade aos nossos documentos. Sabemos que, hoje, sem dados
biométricos, a carteira de identidade, que é extraída nos estados,
muitas vezes acaba servindo à falsidade e a atos ilícitos .
O texto prevê ainda pena de prisão de dois a quatro anos de prisão e
multa para quem comercializar, total ou parcialmente, a base de dados do
documento.
Para policial, cadastro único e integração ajudarão a prevenir e investigar falsificações
O policial legislativo do Senado Gustavo
Rodrigues acredita que a unificação do cadastro de identificação pode
ser útil para prevenção e apuração de crimes se as unidades criminais
forem integradas e o sistema, otimizado.
Vai ser melhor quando for possível associar esse
cadastro único ao banco de dados de antecedentes criminais, por
exemplo, que hoje é diferente em cada estado. Quando uma pessoa cometer
uma infração ou crime em um local, já vai ser mais fácil verificar se
ela é procurada ou tem antecedentes em outra parte do país. Hoje existe o
Sistema Nacional de Segurança Pública, o Sinesp Infoseg, da Secretaria
Nacional de Segurança Pública [Senasp], que pode ser aperfeiçoado —
argumenta.
Segundo Gustavo, que já foi policial civil, a
falsificação de documentos em si já é crime, mas costuma ser “um caminho
para outros crimes, como estelionato ou falsidade ideológica”.
O policial afirma que alguns infratores usam um
documento falso de pessoa física para criar uma pessoa jurídica (CNPJ)
também falsa. Essa falsa pessoa jurídica contrata empréstimos,
financiamentos, faz compras a prazo e, depois, os bancos, instituições
financeiras e empresas não têm como cobrar de alguém que não existe.
— Já houve um caso de um cidadão que entrou no
Congresso Nacional com um documento falso e foi à agência da Caixa para
abrir uma conta. Só que a Polícia Legislativa e o gerente do banco
conseguiram identificar a fraude e ele foi condenado a três anos e seis
meses de reclusão.
Gustavo também afirma que, para a segurança institucional, o cadastro único será vantajoso.
— Uma pessoa que entra num edifício público fica
registrada com o número de RG da unidade da Federação que apresentar.
Se ela pratica algum dano ao patrimônio público, como furto ou
depredação, uma lesão corporal ou uma agressão verbal, ela fica sob
controle de acesso, ou seja, se tentar entrar novamente com o documento,
será barrada. Hoje essa mesma pessoa pode tentar voltar com uma
identidade outro estado ou um outro documento com número diferente. Aqui
nunca houve um caso assim, mas com um cadastro único deixará de haver
até o risco — explica.
Regulamentação deve sair neste semestre, prevê secretário do TSE
O secretário-geral da Presidência do TSE,
Luciano Fuck, afirmou que o TSE já iniciou os estudos para verificar a
compatibilização do cadastro eleitoral e sua expansão para a
identificação nacional.
— Claro, isso vai exigir uma regulamentação, e a
previsão é que ela saia ainda neste semestre. Também há a necessidade
de um decreto do presidente da República e de uma resolução do TSE
baseada em critérios técnicos para uso do banco de dados. A resolução é
que vai determinar, por exemplo, se o registro biométrico será de todos
os dez dedos das mãos ou não — explica.
Embora o presidente da República tenha vetado o
dispositivo do projeto que garante a gratuidade da nova identificação, a
lei não exige a troca do documento que ainda estiver válido, explicou o
deputado Júlio Lopes.
Segundo Fuck, os cidadãos que não têm condição
de pagar serão isentados, como o são em outros procedimentos, como nas
ações judiciais, por exemplo.
— Mas é importante a cobrança pela emissão do
documento até mesmo para viabilizar o lançamento o mais rápido possível
desse importante instrumento de garantia da identificação das pessoas.
O TSE está fazendo várias estimativas sobre o
custo do documento, mas vai depender da quantidade de informações que
ele vai agregar. Tudo isso será levado em consideração.
O documento, disse o secretário, vai aproveitar
todos os dados constantes do cadastro eleitoral. Então, se o cidadão já
fez o cadastramento biométrico, ele não vai necessitar fazê-lo
novamente. Quem ainda não tem, vai ter que inserir os dados.
Também foi vetado o artigo que dava à Casa da Moeda a exclusividade para implantação e fornecimento do documento.
— Ela, no entanto, participará do fornecimento. Apenas não será feito de forma exclusiva — disse o deputado.
Na semana passada, o Congresso manteve os vetos.
Para Fuck, à medida que o documento for se
tornando importante para que o cidadão consiga se identificar, abrir
contas em bancos, receber aposentadoria, enfim, exercer seus direitos e
cidadania, a tendência é que cresça o número de adesões ao novo
instrumento de identificação.
S.F.
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