segunda-feira, 20 de março de 2023

Justiça determina sob pena de multa prefeito de Olho d'Água das Cunhãs, Glauber Azevedo a providenciar local digno para estudantes.

 AÇÃO CIVIL PÚBLICA (65)

Processo, nº: 0801399-91.2022.8.10.0103

Requerente: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO (CNPJ=05.483.912/0001-85)

Requerido: MUNICIPIO DE OLHO D'AGUA DAS CUNHAS e outros



 

D E C I S Ã O

VISTO EM CORREIÇÃO


                 

                      Cuidam os autos de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Estadual em face do Município de Olho D Agua das Cunhãs e do atual Prefeito Municipal GLAUBER CARDOSO AZEVEDO.

Argumenta o autor que instaurou o PA 118-031/2017 para acompanhar a reforma da “Escola municipal RAIMUNDO LEAL” situada no povoado Barraquinha da Linha, zona rural desta cidade, após denúncias de precária estrutura do local. Informa que a equipe de engenharia e arquitetura do MPMA esteve no local, indicando diversas providências para solução do problema, encaminhando ao secretário de educação. Após meses, oficiou ao Secretário para informar sobre o andamento das reformas, recebendo a resposta de que nada foi feito, mas que não haveria prejuízo aos alunos, porquanto estariam em aulas remotas, havendo pedido para inclusão da unidade no programa escola digna do Governo Estadual.

Anexou o relatório 072021, através do qual o executor de mandados, após inspeção in loco, constatou que a unidade permanecia interditada há 03 anos e que as aulas estavam sendo ministradas em casa alugada provisoriamente para 93 alunos. Assevera que a casa alugada possui, de igual forma, péssima estrutura.

Através das fotografias anexadas comprova que a Escola municipal RAIMUNDO LEAL é inabitável, apresentando infiltrações, fissuras, banheiros insalubres, ausência de forro, problema nas instalações elétricas, dentre outros.

Anexou, ainda, fotografias da “nova” escola, que funciona em casa alugada para 93 alunos, demonstrando péssima estrutura física, com alunos alocados nos corredores, paredes mofadas e banheiro insalubre.

Informa que encaminhou novo ofício ao secretário de educação, para que indicasse o cronograma de inclusão da escola Raimundo Leal no programa escola digna e quais medidas imediatas para melhoria da estrutura da casa locada, considerando o grande número de alunos e péssima estrutura. Como resposta, o Secretário teria indicado que seria realizada pequena reforma, não encaminhando cronograma.

Por fim, indica que todas as tentativas de resolução extrajudiciais foram tomadas, sem sucesso e que o ente teve dois anos de aulas remotas para providenciar estrutura mínima digna aos alunos, mantendo-se inerte.

Pugnou pela concessão de tutela a fim de que fosse o ente compelido a 1) imediatamente providenciar local provisório apto para acomodação digna dos estudantes matriculados na Escola Municipal Raimundo Leal para continuidade do período letivo regular;2) elaborar calendário escolar alternativo para repor aulas não realizadas evitando prejuízo aos estudantes da Escola Municipal Raimundo Leal; 3) Reformar ou reconstruir a Escola Municipal Raimundo Leal em prazo indicado por este juízo; 4) no caso de ausência de recursos para cumprimento do item anterior no exercício em curso, o remanejamento de recursos para cumprimento da medida.

              No despacho de ID 76870009 posterguei a análise da liminar para após a manifestação.

Petição do ente demandado sob ID 78007109. Preliminarmente, aduz a ilegitimidade passiva do gestor municipal. Quanto aos fatos em si, aduz que já pediu a inclusão da escola no programa Escola Digna e que é vedado ao judiciário interferir no tema, vez que trata-se de mérito administrativo a gestão dos recursos públicos.

                       Devidamente relatados. Decido.

Quanto à concessão da tutela antecipada pleiteada, assim dispõe o CPC/2015, senão vejamos:

Art. 300.  A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (Lei 13.105/2015 – Código de Processo Civil).

 

Exige-se imprescindível juízo de probabilidade, isto é, há uma presunção sumária de que o demandante, em virtude do relevante fundamento jurídico (fumus boni juris) e das provas pré-constituídas nos autos, a indicar a plausibilidade das suas alegações, tem direito ao provimento jurisdicional postulado, devendo haver, concomitantemente, a certeza de que, se não deferida a medida desde logo, a decisão de mérito a final prolatada possa resultar ineficaz (periculum in mora).

Além disso, em se tratando de Ação Civil Pública, a lei n.7.347/85 (art.12) prevê a possibilidade de concessão da liminar com ou sem justificação prévia.

De já afasto o argumento de ilegitimidade passiva do gestor do município, considerando que a Escola Raimundo Leal integra a estrutura administrativa do Município de Olho D Agua das Cunhãs, do qual Glauber Cardoso Azevedo é prefeito, sendo, portanto, o responsável pelo direcionamento das políticas públicas locais de educação. Ademais, para imposição de astreintes ao gestor, indispensável a sua participação e contraditório.

Atento ao caso posto, verifico que os pleitos ministeriais encontram amparo fático e jurídico. Efetivamente, sob Ids 76869986 e seguintes, anexou o MPE acervo probatório demonstrando que Escola Raimundo Leal está inabitável, diante do quadro de abandono de sua estrutura, com diversas infiltrações, problemas no teto, instalações sanitárias e elétrica. Para tanto, juntou parecer da equipe de engenharia e arquitetura do MPE e Relatório 71/2021 (fl378 do ID 76870009), além de diversas fotografias e vídeos do local.

O relatório 71/2021, de forma detalhada, elucida que na Escola Raimundo Leal trabalham 15 servidores e estudam 93 alunos, sendo que, há 03 anos a unidade está interditada. Corrobora neste sentido o laudo técnico da engenheira contratada pela Prefeitura (ID 78058739), realizado em 15-04-2022, recomendando a demolição total da estrutura.

Estamos prestes a iniciar o ano letivo de 2023 e os 93 alunos e 15 servidores da Escola Raimundo Leal demandam local minimamente razoável para desenvolver suas atividades. Infelizmente o ente demandado não cumpre suas obrigações, porquanto a casa onde funciona a “nova” escola do povoado Barraquinha da Linha, consoante imagens e relatórios anexados, é tão ruim quanto a original, apresentando péssima estrutura física, com alunos alocados nos corredores, paredes mofadas e banheiro insalubre.

Sobre o ponto, vale colacionar o arcabouço normativo correspondente. De início o texto normativo superior, previsto na Constituição da República:

 

Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.

 

Art. 23. É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:

 

II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência;

 

Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre:

 

XIV - proteção e integração social das pessoas portadoras de deficiência;

 

Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:

VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

§ 2º A lei disporá sobre normas de construção dos logradouros e dos edifícios de uso público e de fabricação de veículos de transporte coletivo, a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência.

Art. 244. A lei disporá sobre a adaptação dos logradouros, dos edifícios de uso público e dos veículos de transporte coletivo atualmente existentes a fim de garantir acesso adequado às pessoas portadoras de deficiência, conforme o disposto no art. 227, § 2º.

 

Para dar aplicabilidade ao texto constitucional, o Congresso editou a lei 7853/89, que sobre o tema, dispõe:

 

Art. 2º Ao Poder Público e seus órgãos cabe assegurar às pessoas portadoras de deficiência o pleno exercício de seus direitos básicos, inclusive dos direitos à educação, à saúde, ao trabalho, ao lazer, à previdência social, ao amparo à infância e à maternidade, e de outros que, decorrentes da Constituição e das leis, propiciem seu bem-estar pessoal, social e econômico.

Parágrafo único. Para o fim estabelecido no caput deste artigo, os órgãos e entidades da administração direta e indireta devem dispensar, no âmbito de sua competência e finalidade, aos assuntos objetos esta Lei, tratamento prioritário e adequado, tendente a viabilizar, sem prejuízo de outras, as seguintes medidas:

I - na área da educação:

e) o acesso de alunos portadores de deficiência aos benefícios conferidos aos demais educandos, inclusive material escolar, merenda escolar e bolsas de estudo;

V - na área das edificações:

a) a adoção e a efetiva execução de normas que garantam a funcionalidade das edificações e vias públicas, que evitem ou removam os óbices às pessoas portadoras de deficiência, permitam o acesso destas a edifícios, a logradouros e a meios de transporte.



A lei 13.005/2014 estabelece o Plano Nacional de Educação, indicando diversas diretrizes e metas, deixando claro o objetivo de priorizar a melhoria dos serviços prestados na área, que envolve a oferta de ambiente escolar salubre . Não por outra razão, em caso exatamente semelhante, decidiu o E. TJMA, afastando o frágil argumento da violação à separação dos poderes:

 

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. REFORMA DE ESCOLA MUNICIPAL. PRECARIEDADE VERIFICADA EM PROCEDIMENTO ADMINISTRATIVO PRÉVIO. INÉRCIA DA ADMINISTRAÇÃO EM IMPLEMENTAR POLÍTICAS PÚBLICAS. OFENSA AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES - INOCORRÊNCIA. APELO IMPROVIDO. I - De acordo com a jurisprudência pacífica do Supremo Tribunal Federal, é possível ao Poder Judiciário, em situações excepcionais, determinar ao Poder Executivo a implementação de políticas públicas para garantir direitos constitucionalmente assegurados, a exemplo do direito ao acesso à educação, sem que isso implique ofensa ao princípio da separação dos Poderes. II - Demonstrado, através de procedimento administrativo prévio instaurado pelo Ministério Público Estadual, a precariedade das escolas municipais localizadas no Município de Caxias/MA, de modo a comprometer a integridade física e o ensino dos alunos, compete ao Ente municipal o dever de reformar e estruturar as unidades escolares, porquanto a educação é um direito fundamental, previsto na Constituição Federal. Apelo improvido.(TJ-MA - AC: 00045180520148100029 MA 0187802019, Relator: JOSÉ DE RIBAMAR CASTRO, Data de Julgamento: 05/08/2019, QUINTA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 13/08/2019 00:00:00)

 

 

A Constituição Federal, em seu art.223 enumera que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressãoO texto é novamente enfatizado na lei 8.069/90, Estatuto da Criança e do Adolescente, ao preconizar o princípio da proteção integral e máxima prioridade no art.4º.

 

Note-se, portanto, que o dever Estatal de garantir boa educação não se resume ao fornecimento de salas de aulas e professores, mas, sobretudo à estrutura completa, com climatização, mobiliário em boas condições, transporte público e alimentação. A omissão deliberada do Município de Olho D Agua em não reformar a Escola Raimundo Leal ou melhorar a estrutura do prédio provisório, afetando diretamente 15 professores/servidores e 93 alunos merece reparo pelo poder judiciário.

 

No que toca ao perigo de demora, também resta patente, posto que é iminente o início das aulas, de modo que aguardar o trânsito em julgado para somente ao final conceder o direito afigura-se desproporcional, implicando em severos riscos aos usuários, que, por motivos diversos, já se encontram em situação de extrema vulnerabilidade.

 

                   Ante todo o exposto, preenchidos os requisitos previstos no art. 300 do Código de Processo Civil, CONCEDO A TUTELA DE URGÊNCIA requerida para determinar ao Município de Olho D Agua das Cunhãs/MA e seu atual gestor GLAUBER CARDOSO AZEVEDO que:

a) No prazo de 30 dias, providencie local provisório apto para acomodação digna dos estudantes matriculados na Escola Municipal Raimundo Leal para continuidade do período letivo regular;

b) elabore, em 30 dias, calendário escolar alternativo para repor aulas não realizadas evitando prejuízo aos estudantes da Escola Municipal Raimundo Leal;

c) Apresente calendário para reconstrução da Escola Municipal Raimundo Leal ainda este ano ou, remaneje recursos orçamentários para reconstrução da unidade no exercício orçamentário de 2024;

Para cumprimento da medida, imponho multa pessoal ao Prefeito Municipal no valor de R$ 1.000,00 (um mil reais) por dia de descumprimentolimitada a R$20.000 (vinte mil reais), sem prejuízo da responsabilização por crime de desobediência e comunicação ao PGJ.

Realize-se vistoria no local 30 dias após a intimação do demandado, por meio de Oficial de Justiça.

INTIMEM-SE pessoalmente e via sistema o Prefeito e o Procurador.

Cite-se para contestar a lide.

Ciência ao MPE.

Após, conclusos para saneamento.

 

                   Olho D’água das Cunhãs/MA, data registrada no sistema.

 


Caio Davi Medeiros Veras

Juiz de Direito

Titular da Vara Única da comarca de Olho D’água das Cunhãs

2 comentários:

  1. Justiça seja feita olho d'água tá ligada às traças

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  2. Acho que já estão fazendo a escola atrás do banco do Brasil kkkk

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