SENTENÇA
Trata-se de REPRESENTAÇÃO ELEITORAL POR PROPAGANDA ANTECIPADA NEGATIVA COM PEDIDO DE LIMINAR, formulada por DANIEL FERNANDES SOUSA JUNIOR, candidato a vereador pelo Partido Liberal, CNPJ 56.311.841/0001-74, em face de WALDEMIR OLIVEIRA, proprietário, administrador, escritor e editor do blog “Waldemir Oliveira”; do Proprietário do blog Raposa em Foco e perfil no Instagram @raposa_em_foco; e Darlisson Vieira dos Santos, qualificados na inicial.
Alega o representante que “no dia 08 de agosto de 2024, em uma clara tentativa de associar o representante à prática de condutas criminosas, o representado publicou uma matéria com o seguinte título: “RAPOSA/MA: Presidente da câmara de vereadores, DANIEL FERNANDES e o vereador RIBAMAR INÁCIO são denunciados pelo ministério público por corrupção passiva”.
Aduz, em síntese, que “a matéria, sem estar munida de qualquer comprovação crível, possui um claro objetivo de induzir os leitores (e consequentes eleitores) a acreditarem na falsa notícia de que o representante estaria envolvido em um esquema de corrupção. “
Completa o representante que não bastasse a publicação da matéria no blog representado, a campanha de desinformação deliberada, se perpetuou para grupos do aplicativos de conversas WhatsApp, quais sejam: “Plantão Fox City” e “Nossa querida e bela Raposa”, pertencentes aos representados.
Anexou à inicial prints da matéria publicada.
Por fim, requer liminarmente a concessão da tutela de urgência para que seja determinada a imediata remoção da matéria publicada pelos representados no blog em destaque e disseminada nos grupos de WhatsApp; a consequente aplicação das multas arbitradas em patamar máximo, bem como seja determinado aos representados que se abstenham de praticar campanha negativa antecipada contra o senhor Daniel Fernandes. E no mérito, a procedência da presente representação, com a confirmação da tutela de urgência e a condenação dos representados ao pagamento de multa, conforme art. 36, §3º, da Lei n. 9.504/1997.
Em decisão, ID 122639639, este juízo indeferiu o pedido liminar e determinou a citação dos representados.
Devidamente citados, os representados não se manifestaram nos autos.
Os autos foram remetidos ao MPE, que opina pela improcedência da representação, haja vista que os fatos apresentados não são suficientes para a caracterização de propaganda antecipada negativa.
Vieram-me os autos conclusos.
É o relatório. A seguir decido.
Conforme mencionado, o representante se insurge contra matéria a qual considera tratar-se de propaganda antecipada de cunho negativo.
O conteúdo das matérias veiculadas no do blog “Waldemir Oliveira” e repostadas em grupos de WhatsApp possuem críticas ao candidato a Vereador pelo município de Raposa, DANIEL FERNANDES SOUSA JUNIOR.
O ponto nodal da vertente representação cinge-se a perquirir se há ou não a configuração de propaganda eleitoral antecipada, na modalidade negativa, nas mencionadas publicações.
Consoante lição de JOSÉ JAIRO GOMES, em sua obra Direito Eleitoral, São Paulo: Atlas, 2020, p. 543, obtempera que:
“(...) A propaganda negativa tem por fulcro o menoscabo ou a desqualificação dos candidatos oponentes, sugerindo que não detém os adornos morais ou a aptidão necessária à investidura em cargo eletivo. Os fatos que a embasam podem ser total ou parcialmente verdadeiros, e até mesmo falsos.”
A Lei 9504/97, popularmente conhecida por Lei das Eleições, marca o início da propaganda eleitoral em geral: art. 36. A propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 15 de agosto do ano da eleição.
A sua vez, concernente à propaganda eleitoral extemporânea, preceitua a Lei n.º 9.504/1997 que:
Art. 36-A. Não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura, a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos e os seguintes atos, que poderão ter cobertura dos meios de comunicação social, inclusive via internet: (Redação dada pela Lei nº 13.165, de 2015). (Grifamos)
O objetivo do art. 36, caput, da Lei das Eleições, é evitar eventual captação antecipada de votos, tentando preservar o equilíbrio da disputa eleitoral, de forma a preservar a igualdade de chances entre os candidatos e a própria higidez da disputa eleitoral.
A Resolução n° 23.610 de 18 de dezembro de 2019, por sua vez, estabelece em seu art. 27, § 1°:
§ 1º A livre manifestação do pensamento do eleitor identificado ou identificável na internet somente é passível de limitação quando ofender a honra ou a imagem de candidatos, partidos ou coligações, ou divulgar fatos sabidamente inverídicos
O Tribunal Superior Eleitoral passou a firmar tese no que tange às condutas possíveis na pré-campanha, bem como aos atos e gastos autorizados na pré-candidatura. A liberdade de expressão e de pensamento passou a ser o princípio norteador das decisões do TSE.
Prescreve o art. 5º, inciso IX da CF que “(…) é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;”.
Como se percebe, o direito à liberdade de expressão é assegurado pela Constituição Federal, e, assim como acontece em todos os outros ramos do direito, é uma das formas de garantia da democracia prevista no art. 1º também da Carta Magna (Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos.).
No entanto, como se sabe, nem todo direito é absoluto. Quando colide com qualquer outro direito também previsto na Constituição Federal, cabe ao Poder Judiciário a análise e a aplicação daquele que melhor atende à situação, em nítida ponderação.
É, pois, a situação em que o direito à liberdade de expressão colide com o princípio da igualdade (nele, incluído a igualdade de pleitos). Inquestionável é o número considerável de partidos políticos existentes em nosso país, alguns deles com melhor condição financeira. Portanto, com mais estrutura para “patrocinar” propagandas antecipadas, e, por conseguinte, impedir a livre competição.
Desse modo, descortinar a linha tênue entre a liberdade de expressão e a violação ao direito à isonomia, muitas vezes, não será tarefa simples, máxime se observada a necessidade de se garantir o Estado Democrático de Direito.
Partindo-se das normas acima elencadas e do entendimento já firmado pelo Tribunal Superior Eleitoral, considera-se propaganda antecipada/extemporânea negativa aquela realizada antes do período permitido e que ofende a honra de pré-candidato a mandato eleitoral.
Registre-se que não é toda e qualquer manifestação de apoio ou desapoio, nem mesmo eventual crítica mais contundente ao futuro candidato ao mandato que configura propaganda antecipada negativa.
Nesse aspecto, embora a liberdade de expressão não seja absoluta, a Constituição Federal e legislação eleitoral vedam a censura prévia, razão pela qual a intervenção judicial, ainda que mínima, somente será legítima quando, após análise objetiva e imparcial dos elementos de convicção acostados aos autos, restar evidenciada a ocorrência de manifestações flagrantemente ofensivas à honra ou à imagem de pré-candidatos ou divulgação de fatos sabidamente inverídicos, conforme previsão dos arts. 22, X, 27 e 38 da Resolução TSE n.º 23.610/2019.
Contudo, o provimento judicial que tenha por objeto limitar a livre manifestação do pensamento do eleitor na internet, somente é justificável nos casos em que a honra e imagem dos sujeitos do processo eleitoral encontram-se ameaçadas e/ou violadas por graves abusos que extrapolam os limites da liberdade de expressão, informação e comunicação no âmbito do debate político-democrático, caracterizados pela veiculação de fatos sabidamente inverídicos e ofensivos por meio das redes sociais com escopo de disseminá-los perante o eleitorado.
O TSE reconhece como critério inicial para a caracterização de propaganda eleitoral antecipada o caráter eleitoral da comunicação e, logo em seguida, a presença de três parâmetros alternativos: (a) a presença de pedido explícito de voto - ou de não voto, no caso de propaganda negativa; (b) a utilização de formas proscritas durante o período oficial de propaganda; ou (c) a violação ao princípio da igualdade de oportunidades entre os candidatos (TSE - REspEl: 06000575420186100000 SÃO LUÍS - MA 060005754, Relator: Min. Luís Roberto Barroso, Data de Julgamento: 18/11/2021, Data de Publicação: DJE - Diário da justiça eletrônico, Tomo 116).
Ademais, em outro julgado, o TSE fixou o entendimento no sentido de que para a configuração da propaganda eleitoral antecipada negativa pressupõe “o pedido explícito de não voto ou ato que, desqualificando pré–candidato, venha a macular sua honra ou imagem ou divulgue fato sabidamente inverídico” (vide o julgado do TSE no REspEl 06000695120226020000, MACEIÓ - AL 060006951, Relator: Min. Benedito Gonçalves, Data de Julgamento 16/03/2023).
Assim sendo, entendo que as manifestações trazidas nos autos não contemplaram pedido expresso de voto, não foram explanadas por meios proscritos da legislação eleitoral, não tencionaram ao desequilíbrio da disputa, bem como não foi divulgado fato sabidamente inverídico.
Com isso, a teor das normas jurídicas lançadas, que a publicação em comento no presente caso, não se trata de propaganda eleitoral antecipada de cunho negativo.
Vê-se que nenhum momento há o pedido explícito de voto.
Ademais, a publicação da matéria veiculada no blog não foi explanada por meios proscritos da legislação eleitoral.
Entendo, também, que não houve quebra da paridade entre os concorrentes, tencionando ao desequilíbrio da disputa.
Em casos como o dos autos, a intervenção da Justiça Eleitoral configuraria censura prévia, o que é vedado pela legislação eleitoral.
O entendimento acima é partilhado pelo Tribunal Superior Eleitoral, conforme se observa do seguinte julgado:
"Embora alguns julgados do TSE tenham reconhecido que 'a divulgação de publicação, antes do período permitido, que ofende a honra de possível futuro candidato constitui propaganda eleitoral negativa extemporânea', não é qualquer crítica contundente a candidato ou ofensa à honra que caracteriza propaganda eleitoral negativa antecipada, sob pena de violação à liberdade de expressão. Recurso especial eleitoral a que se dá provimento, para julgar improcedente a representação por propaganda eleitoral antecipada." (TSE - REspEl: 060005754 SÃO LUÍS - MA, Relator: Min. Luís Roberto Barroso, Data de Julgamento: 18/11/2021, Data de Publicação: 22/06/2022).
Recentemente, inclusive, o TRE/MA teve a oportunidade de se debruçar sobre caso semelhante, em que foram proferidos insultos em face de pré-candidato, tais como "mal pagador", "devedor de agiota", "indiciado e réu confesso em vários processos", "mais sujo que pau de galinheiro" e, na ocasião, foi consignado o seguinte entendimento:
ELEIÇÕES 2024. RECURSO ELEITORAL. PROPAGANDA ELEITORAL NEGATIVA ANTECIPADA. VÍDEO VEICULADO NO WHATSAPP. AUSÊNCIA DE PEDIDO EXPLÍCITO DE NÃO VOTO OU ATO QUE ATENTE CONTRA A HONRA DO PRÉ-CANDIDATO. MERO EXERCÍCIO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO. PROVIMENTO DO RECURSO.
1. A caracterização da propaganda eleitoral antecipada negativa pressupõe a presença de pedido explícito de não voto, ato que macule a honra de pré-candidato ou veiculação de fato sabidamente inverídico. Precedentes do TSE.
2. A liberdade de expressão, especialmente em períodos pré-eleitorais, deve ser amplamente protegida, garantindo-se o debate público acerca da idoneidade moral e da trajetória política dos pré-candidatos.
3. A crítica política, ainda que ácida, é legítima e inerente ao processo democrático, devendo os pré-candidatos demonstrar maior tolerância em relação a opiniões divergentes.
4. Recurso conhecido e provido.
(TRE/MA - REl 0600018-23.2024.6.10.0008 - COROATÁ/MA - Rel. Juiz José Valterson de Lima. DJE de 26/08/2024).
Por fim, como já salientado na decisão que indeferiu a liminar, as provas apresentadas não são suficientes para demonstrar que houve lesão à imagem e honra do candidato, apta a provocar desequilíbrio no certame. Ademais, da análise do texto da postagem divulgada, não se verifica afirmação de fato sabidamente inverídico, como exige a jurisprudência para a configuração de excesso.
Assim, levando em consideração que o célere rito do art. 96 da Lei das Eleições não comporta dilação probatória, concluo que as postagens impugnadas não ofendem a legislação regente no que tange à propaganda eleitoral e estão dentro dos limites do direito constitucional de liberdade de expressão.
Ademais, no caso, entendo que não há o que se falar em multa aos representados, vez que a propaganda eleitoral antecipada não foi configurada, razão pela qual a improcedência dos pedidos requeridos em sede de exordial é medida que se impõe.
Por fim, MANTENHO a decisão liminar anteriormente prolatada.
DIANTE DO EXPOSTO, com fundamento no art. 487, I, do CPC, JULGO IMPROCEDENTE, pelas razões acima invocadas, a presente representação eleitoral.
Sem custas ou honorários, por se tratar de causa eleitoral, que, na visão do TSE, é incompatível com esse tipo de verba.
Publique-se, inclusive para fins de intimação.
Ciência ao Ministério Público Eleitoral, via expediente no Sistema Processo Judicial Eletrônico – PJe.
Após o trânsito em julgado, arquive-se com as cautelas de praxe
Cópia desta decisão servirá como mandado ou ofício, dispensada a elaboração de qualquer outro expediente.
Paço do Lumiar, datado e assinado digitalmente
GILMAR DE JESUS EVERTON VALE
Juiz Eleitoral - 93ª ZE/MA
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