DECISÃO
Trata-se de Ação Popular com Pedido de Liminar proposta por JOSÉ AQUINO DE MORAIS NETTO em face do MUNICÍPIO DE SÃO LUÍS GONZAGA DO MARANHÃO e do atual Chefe do Executivo Municipal, FRANCISCO PEDREIRA MARTINS JUNIOR, todos devidamente qualificados nos autos.
Em síntese, alega a parte autora que é coordenador Equipe de Transição do prefeito eleito de São Luís Gonzaga do Maranhão e apesar dos inúmeros ofícios encaminhados aos réus, não recebeu as informações de relevância para a viabilidade da gestão vindoura.
Aduz que o atual gestor municipal vem realizando um verdadeiro vilipêndio contra o patrimônio público municipal, na medida em que convocou irregularmente aprovados em concurso público, cujo resultado não havia sido homologado em período permitido pela lei eleitoral, não disponibilizou a folha de pagamento dos servidores públicos municipais, e no Portal da Transparência do Município só constam informações até junho/2024.
Prossegue informando que os réus prestaram informações falsas ao afirmar que não realizaram convênios com órgãos públicos federais ou estaduais, nos exercícios de 2021, 2022, 2023 e 2024 e ainda, entre os meses de outubro e dezembro de 2024, realizaram inúmeras contratações, a maior parte por dispensa de licitação e aditivos de valor e de prazo contratual, em valores de R$ 5.196.288,46 (cinco milhões e cento e noventa e seis mil e duzentos e oitenta e oito reais e quarenta e seis centavos).
Discorre que as contas públicas do município são extremamente preocupantes e os gastos de vultuosas quantias mesmo não tendo recursos suficientes para honrá-los viola o art. 42 da Lei de Responsabilidade Fiscal.
Ao final, pugna pela concessão de tutela de urgência para que o bloqueio de todas as verbas depositadas nas contas públicas de titularidade do Município de São Luís Gonzaga do Maranhão/MA junto ao Banco do Brasil S/A, à Caixa Econômica Federal e outras instituições financeiras, incluindo aquelas vinculadas ao FPM, FUNDEB, PAB, FNS, MERENDA ESCOLAR, PDDE, SAÚDE DA FAMÍLIA E TODAS AS OUTRAS, ressalvados os recursos destinados à folha de pagamento municipal e ao repasse do duodécimo da Câmara Municipal, de modo a não permitir qualquer saque, transferência ou movimentação das contas do Município, a não ser por alvará judicial, até o dia 31/12/2024.
Os autos vieram-me conclusos.
É o breve relatório. Decido.
Como cediço, a Ação Popular possui natureza eminentemente desconstitutiva, pois tem a finalidade de invalidar ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. Em seu escopo, está excluída obrigação de fazer.
Por sua vez, sabe-se que as tutelas provisórias são o gênero, dos quais derivam duas espécies: tutela provisória de urgência e tutela provisória de evidência.
A tutela provisória de urgência, antecedente ou incidental, pode ser cautelar (quando for conservativa) ou antecipada (quando for satisfativa).
A tutela antecipada ou tutela provisória de urgência de caráter satisfativo permite à parte ser beneficiada imediatamente com os efeitos da tutela definitiva que se pretende obter ao final da demanda. É técnica processual que, de forma não definitiva e mediante cognição sumária, visa antecipar os efeitos da tutela jurisdicional para satisfazer o direito ou a pretensão da parte.
Como ela se destina a permitir a imediata realização prática do direito alegado pelo demandante, revela-se adequada nos casos em que se afigurem presentes a probabilidade do direito e o perigo de dano, quando então o juiz antecipará, provisoriamente, os prováveis efeitos do futuro julgamento do mérito do processo.
Nessa linha, segue a inteligência do art. 300 do Código de Processo Civil (CPC), in verbis: “a tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo”.
O sistema vigente, portanto, manteve os requisitos legais para a concessão das medidas de urgência: fumus boni iuris e periculum in mora.
A probabilidade do direito (fumus boni iuris) se configura no juízo de probabilidade do direito invocado pelo autor.
O perigo de dano (periculum in mora), por seu turno, se perfaz na impossibilidade ou inviabilidade de espera da concessão da tutela definitiva, sob pena de grave prejuízo ao direito e de tornar-se o resultado final inútil em razão do tempo.
Ambos os requisitos são essenciais para a concessão da tutela de urgência satisfativa, que ora busca a parte autora.
Segundo o doutrinador Fredie Didier Jr. (in Curso de Direito Processual Civil. Salvador: JusPodivm, 2016, p. 608-610.), o fumus boni iuris consiste na probabilidade do direito a ser provisoriamente satisfeito ou acautelado, devendo o magistrado avaliar se há elementos que evidenciem a plausibilidade em torno da narrativa fática trazida pelo autor, isto é, uma verdade provável sobre os fatos, independentemente da produção de prova.
Quanto ao periculum in mora, analisa-se a existência de elementos que demonstrem o perigo que a demora no oferecimento da prestação jurisdicional representa para a efetividade da jurisdição e a eficaz realização do direito, ou simplesmente o dano ou risco ao resultado útil do processo.
No caso sob exame, não vislumbro preenchido o pressuposto da verossimilhança do alegado ou da probabilidade do direito invocado, não pela ausência de elementos que evidenciem, ainda que preliminarmente, hipóteses de gestão administrativa temerária e imprudente, com aptidão de gerar prejuízos ao Erário Municipal e a malferir os vetores constitucionais que iluminam a proba atividade administrativa, mas em razão da inadequação da via eleita ao atendimento da medida excepcional de afastamento do Chefe do Executivo e também do desacerto do pedido de bloqueio e gestão judicial dos fundos públicos municipais como forma de melhor equacionar a integridade do Erário, haja vista o embaraço que provocará no correto gerenciamento da máquina pública.
À primeira vista, não parece adequado do ponto de vista processual a dedução de requerimento de bloqueio de verbas públicas municipais por meio de Ação Popular, que se limita à anulação de atos administrativos ilegais e ao ressarcimento de valores (art. 1º c/c art. 11 da Lei nº 4.717/65).
Ademais, por mais controversos e suscetíveis de controle de legalidade que sejam os atos praticados por tal autoridade política, realizar o bloqueio de verbas públicas em razão da existência de procedimentos licitatórios realizados no último semestre do ano, se mostra totalmente temerário.
Com efeito, em que pese ter ocorrido contratações com a dispensa de licitação, não há como presumir que elas ocorreram de forma ilegal ou através de subterfúgios para o desvio de dinheiro público, pois se assim fosse, não existiria tal previsão legal para a contratação com dispensa de licitação.
Nessa esteira, a pretensão de bloqueio e gestão judicial dos fundos públicos municipais não aparenta atender adequadamente o vetor da eficiência administrativa, visto que representaria inescapável burocracia e entrave desarrazoado à célere fluidez das operações orçamentárias e, por consequência, à eficaz implementação dos serviços públicos, a exemplo da saúde, que conforme o alegado na inicial, já resta embaraçada em razão dos atos de gestão temerários pontuados no instrumento da ação.
Embora ponderável do ponto de vista da segurança jurídica e indenidade dos atos que seriam perpetrados, as desvantagens relacionadas à adoção da providência em questão agigantam-se frente às benesses esperadas, ainda mais se considerada a proximidade do encerramento do mandato do réu.
De todo modo, eventual situação de mora administrativa, concretamente diagnosticada, poderá ser objeto de ação individual ou coletiva direcionada ao controle da legalidade dos atos e/ou omissões que lhe deram motivo, a fim de garantir a sua superação e implementação da política pública que tem relação.
Não podendo se olvidar, ademais, conforme jurisprudência pacífica dos Tribunais nacionais, que a Ação Popular não é o instrumental adequado à veiculação de pretensão de cunho eminentemente condenatório, no sentido de impor obrigação de fazer e/ou não-fazer, por se tratar de meio processual voltado eminentemente à anulação ou declaração de nulidade de atos eivados de ilegalidade, com aspecto essencialmente desconstitutivo.
Destaco os julgados dos Tribunais Pátrios que corroboram esse entendimento:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO POPULAR. SENTENÇA DE EXTINÇÃO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO NOS TERMOS DO ART. 485, VI DO CPC. INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA. 1. Ação Popular proposta em face de Consórcio de Transporte Público Municipal. 2. Sentença julgando extinto a demanda por inadequação da via eleita em razão da matéria extrapola o pedido de obrigação de fazer. 3. Interposição de Recurso de Apelação. 4. Ação popular tem por finalidade a anulação ou declaração de nulidade dos atos lesivos ao patrimônio público, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, não sendo a via adequada para se impor uma obrigação de fazer ou não fazer. 5. Sentença que se mantém. Recurso de Apelação conhecido e improvido nos termos do voto do Desembargador Relator. (TJ-RJ - APL: 00553742720228190001 202200160074, Relator: Des(a). CHERUBIN HELCIAS SCHWARTZ JÚNIOR, Data de Julgamento: 13/10/2022, DÉCIMA SEGUNDA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 17/10/2022)
REMESSA NECESSÁRIA - AÇÃO POPULAR – IMPOSIÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER — IMPOSSIBILIDADE – INADEQUAÇÃO DA VIA ELEITA – SENTENÇA MANTIDA – RATIFICADA. A Ação Popular possui natureza eminentemente desconstitutiva, pois tem a finalidade de invalidar ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural. O artigo 2º da Lei 4.717/65 (Lei da Ação Popular) considera ato lesivo ao patrimônio público ou a ele equiparado os casos em que se evidencia incompetência, vício de forma, ilegalidade do objeto, inexistência dos motivos e desvio de finalidade. O que se busca com a presente ação judicial é a imposição ao agente público em corrigir possíveis irregularidades de funcionamento, que consiste em obrigação de fazer, sendo a via adequada para tal provimento a ação civil pública (Lei 7.347/85, art. 3º). (TJ-MT 10068415320218110041 MT, Relator: GILBERTO LOPES BUSSIKI, Data de Julgamento: 12/04/2022, Segunda Câmara de Direito Público e Coletivo, Data de Publicação: 27/04/2022)
Conclusivamente, o caso é de indeferimento da tutela liminar face a não demonstração dos pressupostos indispensáveis ao deferimento da providência preliminar.
Ante o exposto, visto que ausentes os requisitos autorizadores do art. 300 do CPC, INDEFIRO o pedido de tutela de urgência constante da exordial.
Exclua-se a indicação de segredo de justiça da demanda, visto que ausentes as hipóteses do art. 189 do CPC.
Deixo de designar audiência de conciliação prevista no art. 334 do CPC, por versar a causa sobre direito indisponível.
Citem-se os requeridos para, no prazo de 20 (vinte) dias, querendo, apresentarem contestação (art. 7º, IV, da Lei nº. 4.717/1965).
Em aplicação à norma do art. 7º, caput, da Lei nº. 4.717/1965, caso invocada, nas contestações, alguma das matérias elencadas no art. 337, conforme preceitua o art. 351, bem como as matérias do art. 350, todos dispositivos do CPC, intime-se a parte autora, via advogado, para, querendo, apresentar réplica no prazo de 15 (quinze) dias.
Logo em seguida, intimem-se o(a) representante ministerial para apresentar parecer de mérito, no prazo de 30 (trinta) dias.
Após, certifiquem-se as ocorrências e retornem conclusos para decisão saneadora.
Cientifique-se a parte autora e o Ministério Público da presente decisão.
SERVE A PRESENTE DECISÃO COMO MANDADO DE INTIMAÇÃO/CITAÇÃO E OFÍCIO.
Intime-se. Cumpra-se.
São Luís Gonzaga do Maranhão, data do sistema.
Diego Duarte de Lemos
Juiz de Direito
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