O médico da Divisão de Clínica Urológica do HC (Hospital das Clínicas),
Jorge Hallak, ficou intrigado com a aparente pior qualidade do sêmen de
seus pacientes usuários de maconha.
Essa dúvida se tornou uma ampla pesquisa, que lhe rendeu o prêmio da
Associação Americana de Andrologia de 2019. O urologista acompanhou mais
de mil pacientes por 19 anos e demonstrou o mecanismo de lesão celular
causado pelo THC (tetra-hidrocanabinol) nos espermatozoides.O THC é o derivado psicoativo da Cannabis. Hallak, que é professor da
Faculdade de Medicina da USP, argumenta que existem poucos ensaios
clínicos sobre os efeitos da substância no médio e no longo prazo.
Em seu artigo, ele identifica a formação de radicais livres de oxigênio
dentro da membrana celular dos gametas masculinos. Ou seja, além de uma
simples redução da produção de espermatozoides, “o DNA reprodutivo fica
sujeito a risco de alteração”, conta ao Jornal da USP no Ar.
Na pesquisa, o urologista trabalhou quatro grupos como objetos.
Usuários de maconha por períodos prolongados, de oito a dez anos;
fumantes; pacientes pré-vasectomia que tiveram filhos nos últimos 12
meses; homens diagnosticados com infertilidade.
No escopo da saúde reprodutiva masculina, os efeitos do THC foram
piores do que o do consumo do tabaco. O cigarro também facilitou a
produção de radicais livres, só que em menores quantidades e
externamente aos gametas. Em prazos estendidos, os resultados da maconha
eram semelhantes ou piores aos daqueles já inférteis.
O médico deixa claro que a comparação com o tabaco se dá somente nesse âmbito.
“O cigarro é uma tragédia da saúde pública”, diz. Ele também defende
que o debate sobre o uso recreacional da maconha deve ocorrer sob a luz
da ciência. Como faltam pesquisas sobre os efeitos colaterais da
inalação da fumaça produzida pela queima da maconha, o urologista
recomenda que o uso de derivados da Cannabis seja feito por spray, óleo
ou comprimido. Canabidiol e canabinol são os produtos medicinais, que
não são psicoativos.
Toda escolha na medicina é feita a partir de uma avaliação de riscos, de acordo com Hallak.
“A quimioterapia é nociva, mas faz sentido no tratamento de um câncer”, esclarece.
Muitos dos pacientes do urologista minimizam o consumo da maconha com
outros detalhes de sua rotina, como exercícios físicos e alimentação
saudável, por exemplo.
Isso não basta para fazer receita médica e tampouco para política
pública, conta o médico, esperando que seu ensaio dê evidências
importantes aos gestores nessa discussão.
R7
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