quinta-feira, 23 de novembro de 2023

2023: Justiça julga procedente ação do Ministério Público contra prefeito de São Luís Gonzaga/MA.

 SENTENÇA

 

Trata-se de Ação Civil Pública por Ato de Improbidade Administrativa ajuizada pelo MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO MARANHÃO em desfavor de FRANCISCO PEDREIRA MARTINS JÚNIOR e de LUÍS DA SILVA MELO, todos devidamente qualificados nos autos do processo em epígrafe.





O autor aduz, em síntese, que instaurou o Inquérito Civil nº 000304-067/2018, para apurar a prática de enriquecimento ilícito por parte do requerido LUÍS DA SILVA MELO, por ter recebido seus vencimentos como agente de endemias, neste município, no período compreendido entre janeiro de 2017 até a data do ajuizamento da presente ação, qual seja, 11/10/2021, sem que tivesse prestado qualquer atividade laborativa nesse intervalo de tempo, fato esse era de conhecimento do requerido FRANCISCO PEDREIRA MARTINS JÚNIOR, que exerce o cargo de Prefeito Municipal.




Narra que o procedimento administrativo foi instaurado a partir reporte do Sr. Bismarck Morais Salazar, o qual informou que o requerido LUÍS DA SILVA MELO foi eleito vereador neste município, iniciando seu mandato em 1º de janeiro de 2017, data em que deixou de exercer suas funções como agente de endemias, fato que era de conhecimento do gestor municipal, o ora demandado FRANCISCO PEDREIRA MARTINS JÚNIOR, o qual tinha como líder do governo na Câmara Municipal o primeiro requerido.


Pontua que, outro servidor municipal foi designado por FRANCISCO PEDREIRA MARTINS JÚNIOR para exercer as funções que deveriam ser exercidas por LUÍS DA SILVA MELO, no cargo de agente de endemias, sendo que este último apenas assinava seu livro de ponto, em que pese a ausência de prestação dos serviços.


Enfatiza que esse réu, em diversas ocasiões nas quais participava das sessões da Câmara de Vereadores, assinava o seu registo de ponto como agente de endemias, oportunidade em que informava que havia trabalhado no período compreendido entre 08h e 12h e das 14h às 17h.


Realça que a conduta ímproba do demandado LUÍS DA SILVA MELO gerou enriquecimento ilícito, no valor de R$ 75.880,75 (setenta e cinco mil, oitocentos e oitenta reais e setenta e cinco centavos), tendo o requerido FRANCISCO PEDREIRA MARTINS JUNIOR contribuído sobremaneira para a prática do referido ato de improbidade administrativa.


Ao final, pugna pela procedência dos pedidos para condenar os requeridos, no que couber, nas sanções do inciso I do Art. 12 da Lei nº 8.429/92, notadamente, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de oito a dez anos, pagamento de multa civil de até três vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócia majoritária, pelo prazo de dez anos.

Despacho determinando a notificação dos demandados (ID 54264628).

O requerido FRANCISCO PEDREIRA MARTINS JUNIOR apresentou manifestação por escrito, sustentando, preliminarmente, a inépcia da inicial. No mérito, alegou inexistência de ato de improbidade administrativa (ID 59983456).

O demandado LUÍS DA SILVA MELO apresentou manifestação por escrito, sustentando, preliminarmente, a inépcia da inicial. No mérito, alegou inexistência de ato de improbidade administrativa (ID 60061766).

Tendo em vista as alterações realizadas na Lei de Improbidade Administrativa, por meio da Lei nº 14.230/2021, que modificou, dentre outros pontos, o rito procedimental da ação, nos termos do art. 17, §7º, da LIA, foi proferido Despacho determinando a citação dos requeridos para apresentarem contestação (ID 60895178).

O demandado LUÍS DA SILVA MELO contestou o feito, sustentando, preliminarmente, a inépcia da inicial. No mérito, alegou inexistência de ato de improbidade administrativa (ID 62944843).

O requerido FRANCISCO PEDREIRA MARTINS JUNIOR apresentou contestação, arguindo, preliminarmente, a inépcia da inicial. No mérito, alegou inexistência de ato de improbidade administrativa (ID 63970411).

O Ministério Público Estadual apresentou réplica no ID 65992504.

Decisão saneadora (ID 67738459)afastando as preliminares suscitadas pelas partes e consignando que, em tese, o demandado FRANCISCO PEDREIRA MARTINS JUNIOR praticou as condutas descritas no art. 10, I, e art. 11, caput, todos da LIA, e o requerido LUÍS DA SILVA MELO praticou supostamente as condutas previstas no art. 9º, XI, e art. 11, caput, todos da LIA.

Em manifestação de ID 68912596, o Ministério Público informou que não haver esclarecimentos ou ajustes a serem solicitados.

Em petição de ID 69346123, o requerido FRANCISCO PEDREIRA MARTINS JUNIOR pugnou pela produção de provas em audiência.

Em petição de ID 69596769, o réu LUÍS DA SILVA MELO requereu a produção de provas em audiência, bem como solicitou diligências.

Foi acostada cópia da Decisão proferida pelo E. TJMA, nos autos do Agravo de Instrumento nº 0813319-80.2022.8.10.0000, a qual negou a liminar pleiteada por FRANCISCO PEDREIRA MARTINS JUNIOR, que se insurgiu contra a decisão saneadora (ID 71209722).

Despacho deferindo as diligências pleiteadas por LUÍS DA SILVA MELO e designando audiência (ID 74022949).

A Câmara de Vereadores deste Município acostou o memorial dos horários das sessões legislativas, consoante determinado judicialmente (ID 76189326).

Despacho redesignando audiência (ID 79229747).

Na ocasião da audiência, foram ouvidas testemunhas arroladas pelas partes e foi deferida a diligência requerida por LUÍS DA SILVA MELO, para oficiar à Secretaria de Saúde deste Município, para remeter a este Juízo a produção loboral realizada pelo referido réu, enquanto exercia o cargo de endemias deste Município, no interregno compreendido entre janeiro de 2017 e dezembro de 2021 (ID 79945622).

Juntado aos autos o Acórdão prolatado no Agravo de Instrumento nº 0813319-80.2022.8.10.0000, indeferindo o recurso apresentado pela parte (ID 80097090).

Em ID 82051213, a testemunha Widson Campos Amorim requereu a designação de audiência para retratação.

Despacho determinando a intimação das partes para se manifestarem acerca da retratação (ID 82277016).

O Ministério Público pugnou pela designação de audiência para retratação da testemunha (ID 82914608).

O demandado FRANCISCO PEDREIRA MARTINS JUNIOR requereu o indeferimento do pedido de retratação (ID 84843336).

Decisão designando nova audiência de instrução para oitiva da testemunha (ID 85152789).

Termo de audiência, na qual foi declarada a encerrada a instrução e determinada e determinou-se a intimação das partes para apresentação de alegações finais (ID 89018545).

Apensou-se cópia da Decisão proferida pelo E. TJMA, nos autos do Agravo de Instrumento nº 0804369-48.2023.8.10.0000, a qual negou a liminar pleiteada por FRANCISCO PEDREIRA MARTINS JUNIOR, que se insurgiu contra a decisão que determinou a reabertura da instrução processual para oitiva da testemunha, em sede de retratação (ID 89055522).

Alegações finais do Parquet pugnando pela procedência da ação em relação ao réu LUÍS DA SILVA MELO. Por outro lado, requereu a improcedência dos pedidos autorais referentes a FRANCISCO PEDREIRA MARTINS JUNIOR (ID 91920776).

Razões derradeiras de FRANCISCO PEDREIRA MARTINS JUNIOR, arguindo a tese de negativa de atos de improbidade administrativa. Ao final, pugnou pela improcedência dos pedidos formulados na inicial (ID 93516226).

Alegações finais de LUÍS DA SILVA MELO, sustentando a tese de ausência de atos de improbidade administrativa, motivo pelo qual requereu a improcedência da ação (ID 93972977).

Vieram-me os autos conclusos.

É o relatório. Decido.

Verifico que as questões preliminares já foram devidamente analisadas por esse Juízo, na ocasião no saneamento do feito, não existindo nenhuma nulidade ou questão prejudicial a ser debatida.

Acerca da matéria objeto desta lide, impende destacar que os princípios norteadores da Administração Pública, consoante se registra no art. 37, caput, da Constituição Federal, determinam que os Poderes e todos os entes da Federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) deverão obedecer aos cânones da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, dando-se destaque a legalidade estrita, porquanto na Administração Pública só pode fazer o que a lei permite, isto é, a vontade do Administrador é a que decorre da lei, dito de outra forma, no âmbito público, só se faz aquilo que é autorizado pela lei e ainda sem qualquer desvio de finalidade, porque o Estado somente persegue o interesse público, coletivo e qualquer ato que desborde deste propósito, ainda que com aparente legalidade, ofenderia a moralidade com que se deve conduzir a coisa pública.

A Administração Pública deve ser orientada sempre por princípios rígidos, de modo que satisfaça aos interesses da coletividade, devendo todo e qualquer agente público pautar-se pela transparência e moralidade de seus atos, na prevalência do interesse público e nos limites impostos pela lei.

Nesse sentido, a probidade administrativa consiste no dever do agente público em servir a administração pública com honestidade, ao proceder no exercício de suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades decorrentes do cargo em proveito pessoal ou de terceiros e o desrespeito a estes deveres elencados caracteriza ato de improbidade.

Antes de se ater ao mérito propriamente dito, digo, ainda, que não é possível falar em decisão surpresa no presente caso, haja vista que as partes tiveram a oportunidade de se manifestar sobre as alegações do polo adverso durante toda a tramitação do feito. Portanto, foi fielmente respeitado o contraditório, corolário do devido processo legal, e que, conforme inteligência do art. 5°, inciso LV, da Carta Magna, deve ser assegurado de forma plena, com todos os meios e recursos que lhe são inerentes, desde que a matéria não seja apenas de direito.

Por oportuno, faz-se mister adentrar em cada ponto apresentado na exordial como atos ímprobos, necessários alguns esclarecimentos quanto à ação de improbidade administrativa, levando em consideração o objetivo, o bem protegido e conduta específica do agente para configuração da improbidade.

Como é de conhecimento notório, a ação de improbidade administrativa visa a proteger o interesse público contra condutas que gerem dano ao erário e atos que atentem contra os princípios basilares da administração. A probidade faz parte da moralidade e da honestidade, bem como do estrito respeito ao bem comum e sua falta corrói pilares essenciais de uma República Democrática de Direitos.

Consoante leciona o Professor Hely Lopes Meireles, “fora do campo penal, a Lei nº 8.429/92 classifica e define os atos de improbidade administrativa em três espécies: a) os que importam enriquecimento ilícito (art. 9º); b) os que causam prejuízo ao erário (art. 10); e c) os que atentam contra os princípios da Administração Pública (art. 11). É o que prescrevem os artigos 9º, 10 e 11, do referido Diploma Legal.

Analisando os referidos dispositivos legais, constata-se que, para a tipificação do ato de improbidade administrativa, devem estar presentes os seguintes elementos básicos: I) sujeito passivo; II) sujeito ativo; III) ocorrência de ato danoso causador de enriquecimento ilícito, prejuízo ao erário público ou atentado contra os princípios da administração pública e IV) elemento subjetivo: dolo.

A partir do advento da Lei 14.230/2021 (nova Lei de Improbidade Administrativa – LIA), deixou de existir, no ordenamento jurídico, a tipificação para atos culposos de improbidade administrativa, nos seguintes termos:

Art. 1º O sistema de responsabilização por atos de improbidade administrativa tutelará a probidade na organização do Estado e no exercício de suas funções, como forma de assegurar a integridade do patrimônio público e social, nos termos desta Lei.

§ 1º Consideram-se atos de improbidade administrativa as condutas dolosas tipificadas nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, ressalvados tipos previstos em leis especiais.

§ 2º Considera-se dolo a vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícito tipificado nos arts. 9º, 10 e 11 desta Lei, não bastando a voluntariedade do agente.

[…]

Além disso passou a ser exigida a comprovação de dolo específico do agente em praticar os atos de improbidade não bastando a simples comprovação de dolo genérico.

Nesse sentido estão os §§2º e 3º do artigo 1º, que preveem, respectivamente, uma definição estreita de dolo (vontade livre e consciente de alcançar o resultado ilícitonão bastando a voluntariedade do agente) e a vedação ao sancionamento de atos de gestão da coisa pública sem demonstração de ato doloso com fim ilícito.

Assim ao contrário da jurisprudência tradicional do Superior Tribunal de Justiça, firmada a partir da interpretação da redação originária da Lei de Improbidade Administrativa, no sentido de que bastaria o dolo genérico para caracterização da improbidade, o § 2º do art. 1º da Lei de Improbidade Administrativa exige, a partir de agora, o dolo específico para configuração da improbidade.

O Supremo Tribunal Federal no julgamento ARE 843989/PR, com repercussão geral do tema 1.199 de Relatoria do Min. Alexandre de Moraes, fixaram as seguintes teses acerca das alterações ocorridas na lei de improbidade administrativa:

1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO;

2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;

3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente;

4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.

Nota-se que a retroação da Nova LIA ocorrerá para os casos, em curso, de improbidade administrativa culposos, sem que os novos prazos do regime prescricional sejam aplicados (nesse ponto, haverá sempre a irretroatividade). Além disso, nos termos da interpretação adotada pela Suprema Corte, a retroatividade da norma mais benéfica abrange a necessidade de dolo específico para configuração da improbidade, na forma exigida pelo § 2º do art. 1º da Lei de Improbidade Administrativa, inserido pela Lei 14.230/2021.

Feitas tais considerações, observo que no presente caso, o Ministério Público imputa ao requerido FRANCISCO PEDREIRA MARTINS JUNIOR as condutas descritas no art. 10, I, e art. 11, caput, todos da LIA, e ao requerido LUÍS DA SILVA MELO as condutas previstas no art. 9º, XI, e art. 11, caput, todos da LIA.

Por oportuno, durante a fase da instrução processual, foram colhidos os depoimentos de testemunhas, onde consignou-se os relatos abaixo destacados.

A testemunha Widson Campos Amorim, arrolada pelo Ministério Público, pontuou “[…] que conhece LUÍS DA SILVA MELO, o qual foi nomeado para o cargo de agente de endemias deste município, em março de 2008, juntamente com a testemunha; que o requerido LUÍS DA SILVA MELO era lotado na Zona 01 de trabalho; que, no ano de 2016, o referido demandado foi eleito vereador deste município; que, desde 2017, LUÍS DA SILVA MELO não labora como agente de endemias, todavia, assina a folha de ponto, que fica em sala na Secretaria de Saúde Municipal; que, entre o ano de 2017 a agosto de 2019, por determinação direta do Coordenador, o Sr. Evandro, o qual cumpriu ordem da Secretaria de Saúde deste Município, a Sra. “Socorrinha”, a testemunha substituiu o referido réu no cargo de agente de endemias; que acredita que o prefeito FRANCISCO PEDREIRA MARTINS JUNIOR tinha conhecimento do ato ímprobo de LUÍS DA SILVA MELO, pois este era líder do governo na Câmara, além de ser aliado político daquele; que, até o começo de 2021, LUÍS DA SILVA MELO continuou não prestando serviços como agente de endemias […]”.

O informante Antônio Fernandes Teixeira, elencado pelo Parquet, enfatizou “[…] que LUÍS DA SILVA MELO é agente de endemias; que o referido demandado era líder de governo na Câmara; que durante o mandato legislativo, LUÍS DA SILVA MELO não laborou como agente de endemias; que somente via supracitado demandado, às sextas-feiras, na sessão da câmara e em eventos políticos; que, somente em 2021, verificou que o demandado retornou a laborar como agente de endemias […]”.

O informante Bismarck Moraes Salazar, arrolado pelo Ministério Público, ressaltou “[…] que, desde o ano de 2006, o demandado LUÍS DA SILVA MELO é agente de endemias deste município; que, entre 2017 e 2019, o referido réu exercia o cargo de vereador e agente de endemias, todavia, não exercia as funções no segundo cargo; que Widson reportou ao informante, que, por ordem da Secretária de Saúde, Widson desempenhava a função que seria de LUÍS DA SILVA MELO, em jornada dupla de trabalho; que, até à a data da audiência, LUÍS DA SILVA MELO recebe seus vencimentos como agente de endemias, sem, todavia, a contraprestação laboral; que soube que o referido demandado somente assinava o ponto, sendo que a produção laboral era feita por Widson e outro indivíduo; que o prefeito FRANCISCO PEDREIRA MARTINS JUNIOR tinha conhecimento de tudo isso; que o prefeito e LUÍS DA SILVA MELO fizeram um acordo verbal para que este não precisasse trabalhar com agente de endemias, contudo, recebendo os seus vencimentos; que LUÍS DA SILVA MELO era líder do governo na câmara municipal; que sabe dos fatos porque era do mesmo grupo político dos demandados […]”.

A testemunha Carlos Henrique da Rocha Melo, elencado pela defesa, asseverou “[…] que foi nomeado juntamente LUÍS DA SILVA MELO para o cargo de agente de endemias; que o referido réu foi vereador deste município, no pleito pretérito; que todas as manhãs se reuniam em uma das salas da secretaria de saúde para assinar o ponto e, depois do almoço, voltavam para assinar novamente; que não sabe o supracitado demandado efetivamente exercia sua função; que não sabe se Widson ou Dielson substituiu o referido demandado em suas atividades laborais durante o período em que estava vereador […]”.

A testemunha da defesa, Flávio da Silva Santos arguiu “[…] que, entre os anos de 2017 e 2018, LUÍS DA SILVA MELO estava vereador deste município, época em que via o referido réu passando fardado com o traje de agente de endemias; que, no referido período, o réu supracitado participou de alguns mutirões e campanhas […]”.

A presente ação trata daquilo que se chama popularmente no Brasil de “funcionário fantasma”, isto é, servidores públicos que recebem a remuneração e não aparecem para trabalhar e que, via de regra, são protegidos por pessoas de dentro da estrutura da Administração com capacidade e poder de manter recebimento de salário sem qualquer tipo de prestação de serviço.

Sabe-se que servidor público submete-se, no exercício do cargo ou função, a obrigações e deveres que são regidos pelo princípio da legalidade, o qual se vincula a outros princípios essenciais, estabelecidos na Constituição e nas leis ou regulamentos, entre eles o da finalidade e o da moralidade administrativa.

Em decorrência desses princípios, o servidor público tem, como forma substancial de sua atividade, o dever de boa administração e a prática da probidade administrativa, derivada do interesse público e o código de ética da relação jurídica entre o servidor público e a Administração, visando à razoabilidade, impessoalidade e eficiência no desempenho dos cargos ou funções públicas.

No presente caso, diante de todas as provas produzidas, fico efetivamente comprovado que o réu LUÍS DA SILVA MELO, enquanto estava exercendo o cargo de vereador não trabalhava como agente de edemias.

É dos autos, através dos documentos juntados pela Câmara de Vereadores que as Sessões da casa legislativa aconteciam todas as sextas-feiras, no período da manhã, fato que demonstra que a folha de ponto assinada pelo réu foram preenchidas de forma irregular. De mesmo modo, conforme relato das testemunhas, o réu não exercia suas funções nos demais dias, tendo inclusive, sido designado um outro servidor para exercer as atividades que antes eram feitas pelo requerido.

Some-se a isso o fato do réu não ter nenhuma comprovação da atividade exercida, durante todo o período questionado, ou seja, apesar de alegar que assinava a folha de ponto, não existe qualquer relatório da sua produção.

Certo é que se encontra comprovado nos autos que durante do período de janeiro de 2017 até outubro de 2021, o réu LUÍS DA SILVA MELO recebeu os proventos do cargo de agente de endemias sem ter prestado serviços para o município.

À luz da prova produzida e das disposições normativas previstas na Lei nº 8.429/92 e, nesse aspecto, o que se registra de forma incontroversa é a percepção de vencimentos pelo referido demandado, agente de endemias, sem a contraprestação laboral.

A conduta do réu LUÍS DA SILVA MELO, materializada pelo fato de receber seus vencimentos, sem, contudo, desempenhar as funções inerentes ao cargo de agente de endemias caracteriza-se como ato de improbidade administrativa grave, que lesou dolosamente o erário de incorporando ao seu patrimônio dinheiro que se destinaria a pagamento de agente público para prestar serviço à sociedade (art. 9º, XI, da Lei nº 8.249/92).

Diante do acervo probatório, está devidamente comprovada o dano causado ao erário, no valor de R$ 75.880,75 (setenta e cinco mil, oitocentos e oitenta reais e setenta e cinco centavos), uma vez que durante mais de dois anos ficou recebendo seus vencimentos sem a devida prestação do serviço e ainda o dolo.

Com relação ao elemento volitivo do agente, não resta dúvidas da sua ocorrência, seja pelo tempo em que essa circunstância ocorreu, seja em razão do réu ter intencionalmente preenchido a folha de ponto para tentar demonstrar que estava prestando o serviço, o que evidencia sua clara intenção de burlar a obrigatoriedade da prestação do serviço.

Portanto, tendo recebido por todo esse período o salário sem trabalhar é claro que o réu incorporou ao seu patrimônio valores do Município que não lhe pertenciam, tampouco fazia jus, incidindo assim na conduta descrita no art. 9º, XI, da Lei nº 8.249/92.

Nesse contexto, a fixação da pena/sanção a serem concretamente aplicadas deverá se levar em conta a extensão do dano causado, assim como proveito patrimonial obtido pelo agente (a extensão do dano em sentido amplo - não só o dano ao erário, ao patrimônio público em sentido econômico, mas também o patrimônio moral da instituição, que abrange ideias de honestidade, boa-fé, lealdade, imparcialidade.

O artigo 37, §4º, da Constituição Federal, dispõe que os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos, a perda da função, indisponibilidade do bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação prevista em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.

Nesse mesmo sentido, há a possibilidade de aplicação cumulativa e concomitante das penas previstas no artigo 12 da Lei nº 8429/92, decidindo quais as sanções apropriadas e suas dimensões, que observados os princípios da razoabilidade e proporcionalidade entre as sanções aplicadas, a adequação das penas, a extensão dos dano causado, o proveito patrimonial obtido pelo agente, de acordo com a conduta do agente e o gravame impingido ao erário, o grau de reprovabilidade da conduta, dentre outras circunstâncias.

Ainda em relação ao réu LUÍS DA SILVA MELO, considerando-se o dolo específico, a má-fé, a atuação confiante na impunidade, se deve impor também a perda do cargo público, pois não se pode admitir como sendo razoável que funcionário público que trata a coisa pública a partir de uma visão privada, como se o erário fosse lugar de enriquecimento sem causa, permaneça à frente de cargo público que ocupa, devendo tais circunstâncias serem consideradas para elevação do mínimo da pena.

Impõe-se, também, as demais sanções cominadas, quais sejam, (i) suspensão dos direitos políticos e (ii) proibição de contratar com o poder público ou receber benefícios ou incentivos fiscais, tendo em vista dada a gravidade da conduta do requerido, o qual demonstrou absoluto desprezo pelos princípios basilares da Administração Pública, ao receber seus vencimentos sem a devida contraprestação laboral.

Nesse sentido, traz-se à baila o entendimento jurisprudencial, in verbis:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. NOMEAÇÃO DE ASSESSOR PARLAMENTAR PARA A CÂMARA MUNICIPAL DE RIO CLARO. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. SUPOSTO "FUNCIONÁRIO FANTASMA". IMPUTAÇÃO MINISTERIAL DE ENRIQUECIMENTO ILÍCITO, DANO AO ERÁRIO E VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. APLICAÇÃO DA LEI 8.429/92. SENTENÇA DE PARCIAL PROCEDÊNCIA. CONDENAÇÃO DOS DEMANDADOS A PROMOVEREM O RESSARCIMENTO AO ERÁRIO E O PAGAMENTO DE MULTA CÍVEL CORRESPONDENTE A DUAS VEZES O DANO PROVOCADO. IRRESIGNAÇÃO DOS RÉUS. ACERTO DO DECISUM. 1. Demanda proposta com base na conduta ímproba atribuída aos Réus, correspondente a suposta inexistência de prestação de serviço público por agente nomeado, em que pese o recebimento integral de sua remuneração pelos cofres públicos, no período de 01.08.2009 a 28.02.2011. Questões apuradas no Inquérito Civil Público nº 187/2011. 2. Agente político (1º Réu) que nomeou o seu Assessor parlamentar (2º Réu) quando este já estava contratado por empresa privada para prestar serviço na REDUC de Duque de Caxias. Inegável incompatibilidade geográfica para que o 2º Réu pudesse acumular as duas funções, considerando a distância de 117 Km de um local para o outro. Trabalho remoto que, à época, não encontrava a estrutural atual. 3. Provas documental e testemunhal suficientes para caracterizar a conduta ímproba dos Réus, nos termos da Lei nº 8.429/92, consubstanciada no enriquecimento ilícito (artigo 9º, XII), no dano ao erário (artigo 10, I) e na ofensa aos princípios da Administração Pública (artigo 11). Dolo configurado. 4. Sanções fixadas de forma razoável e proporcional às especificidades do caso sub judice. Precedentes do TJRJ. Manutenção do decisum que se impõe. 5. Recurso a que se nega provimento. (TJ-RJ - APL: XXXXX20158190047 202300103855, Relator: Des(a). SERGIO RICARDO DE ARRUDA FERNANDES, Data de Julgamento: 13/04/2023, PRIMEIRA CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 19/04/2023).

De mais a mais, no tocante ao demandado FRANCISCO PEDREIRA MARTINS JUNIOR, entendo que não assiste razão ao Ministério Público, haja vista que não restou demonstrado que referido demandado facilitou ou concorreu para os atos de improbidade administrativa ora apurados.

De fato, é evidente que na Secretaria de Saúde do Município, o réu LUÍS DA SILVA MELO recebeu auxílio de servidores para que fosse permitido o pagamento de seu salário por mais de dois anos sem que realizasse a contraprestação do seu serviço.

Entretanto, as testemunhas ouvidas em sede de inquérito civil e ouvidas em juízo não afirmaram que o réu FRANCISCO PEDREIRA MARTINS JUNIOR tinha ciência dessa situação ou que concorreu para que isso ocorresse. Destarte, ausente o dolo específico em relação a FRANCISCO PEDREIRA MARTINS JUNIOR, a absolvição do indigitado é medida que se impõe.

Por fim, quanto ao suposto ato de improbidade administrativo praticado pelos réus, previstos no art. 11 da Lei de Improbidade, cabe destacar que com as mudanças legislativas da LIA, deveria o órgão ministerial indicar exatamente a conduta praticada pelos réus que se enquadraria em conduta que atenta contra os princípios da administração pública.

Nesse contexto, é de se destacar que uma mesma conduta não pode ser enquadrara em ato que importa em enriquecimento ilícito e também que atenta contra os princípios da administração pública.

Se a conduta imputada aos réus é o recebimento de vencimentos sem a contraprestação do serviço e tendo sido reconhecido que tal ato consiste em ato de improbidade previsto no art. 9º da Lei de Improbidade, resta inviável o reconhecimento da ocorrência de uma hipótese do art. 11 da Lei de Improbidade, sob pena de caracterizar o bis in idem.

Assim sendo, não há outra medida, senão a procedência parcial dos pedidos ministeriais para reconhecer o ato de improbidade administrativa apenas para o réu LUÍS DA SILVA MELO


Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE a presente demanda, resolvendo-se o processo com julgamento de mérito, para reconhecer que o LUÍS DA SILVA MELOpraticou ato de improbidade administrativa previsto no art. 9º, XI da Lei nº 8.429/01 e diante da gravidade da infração e considerando o disposto no art. 12, I, LIADETERMINAR: a) perda da função pública do cargo de agente de edemias; b) restituição do valor recebido ilicitamente, na ordem de R$ 75.880,75 (setenta e cinco mil, oitocentos e oitenta reais e setenta e cinco centavos), atualizada monetariamente, devendo o montante ser apurado em liquidação de sentença, nos termos do art. 18, §1º e 2º, da LIA, e do art. 509, do CPC, sob o montante incidirão correção monetária, com base no INPC, a partir da sentença, e juros de 1% ao mês, contados da época do fato até a data do efetivo pagamento; c) suspensão dos direitos políticos por 10 (dez) anos; d) pagamento de multa civil equivalente ao valor do acréscimo patrimonial auferido ilicitamente naquele período, ou seja, o montante de R$ 75.880,75 (setenta e cinco mil, oitocentos e oitenta reais e setenta e cinco centavos), sendo que tal quantia deverá ser revertida em favor dos cofres do Município de São Luís Gonzaga do Maranhão, nos termos do que preceitua o art. 18 da Lei n°. 8.429/92; e) proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário pelo prazo de 10 (dez) anos.


Com o trânsito em julgado da presente ação:

(1OFICIE-SE ao Município de São Luís Gonzaga do Maranhão, comunicando a perda do cargo de agente de edemias para a adoção das medidas cabíveis.

(2OFICIE-SE ao Egrégio Tribunal Regional Eleitoral do Estado do Maranhão, comunicando a suspensão dos direitos políticos do Requerido para as providências cabíveis, bem como ao Estado, União e Executivo e Legislativo Municipais, para ciência e observância da proibição de contratação com o Poder Público ou de recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoas jurídicas das quais seja sócio majoritário.

(3PROCEDA-SE à atualização do Cadastro Nacional de Condenações Cíveis por Ato de Improbidade do Conselho Nacional de Justiça, para inserção do nome do requerido, na forma da Resolução nº 44/2007 do Conselho Nacional de Justiça.

(4DÊ-SE ciência à Fazenda Pública Municipal, quanto ao teor da sentença e do trânsito em julgado, a fim de que possa promover os atos necessários para a execução do crédito.

Tendo em vista a retratação da testemunha, junte-se nos autos do Processo nº 0801655-59.2022.8.10.0127, a ata de audiência que consta no ID 89018545 e a respectiva mídia.

Sem necessidade de remessa necessária, conforme estabelece o art. 17-C, §3º da Lei de Improbidade.

Cumpridas todas as diligências acima e certificado nos autos, arquivem-se, com a devida baixa.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

ESTA SENTENÇA DEVIDAMENTE ASSINADA SUPRE A EXPEDIÇÃO DE MANDADOS E OFÍCIOS.


São Luís Gonzaga do Maranhão, data do sistema.


 

 

Diego Duarte de Lemos

Juiz de Direito

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