sexta-feira, 24 de novembro de 2023

Juiz de direito mesmo na dúvida concede tutela de urgência à prefeito de São Mateus/MA.

PROCESSO  0802090-93.2023.8.10.0128


CLASSE CNJ: PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7)


ASSUNTO: [Direito de Imagem, Direito de Imagem]


REQUERENTE: IVO REZENDE ARAGAO
Rua Frederico Leda, 33, Centro, SãO MATEUS DO MARANHãO - MA - CEP: 65470-000

Advogado: CLAUDIO TIAGO SILVA LIMA OAB: MA24727 Endereço: desconhecido


REQUERIDO: ATANILDO PEREIRA DE OLIVEIRA



DECISÃO





Trata-se de ação de indenização.

Inicial instruída por documentos.

Determinada a emenda, a parte autora juntou manifestação e documentos.

Vieram os autos conclusos. Passo a analisar o pedido de tutela e urgência.

DO PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA

A parte autora formulou o seguinte pedido em sede de tutela de urgência: “Que seja concedida tutela de urgência inaudita altera parte, para que seja determinado aos requeridos a retirada do conteúdo lesivo das redes sociais, presente no endereço eletrônico, no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, sob pena de multa diária no importe de R$ 5.000,00 (cinco mil reais), bem como para que eles se abstenham de divulgar vídeos que relacionem os demandantes, direta ou indiretamente, aos mesmos fatos lesivos e inverídicos narrados”.

O direito a liberdade de expressão, assim como os demais direitos fundamentais previstos na CF/88, não é absoluto, podendo o exercício abusivo daquele direito configurar ato ilícito passível de indenização nos moldes disciplinados pela legislação cível.

Nestes termos inclusive, é a norma do art. 13 da Convenção Americana sobre direitos humanos (Pacto de São José da Costa Rica):

1. Toda pessoa tem direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito compreende a liberdade de buscar, receber e difundir informações e ideias de toda natureza, sem consideração de fronteiras, verbalmente ou por escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro processo de sua escolha.

O exercício do direito previsto no inciso precedente não pode estar sujeito a censura prévia, mas a responsabilidades ulteriores, que devem ser expressamente fixadas pela lei a ser necessárias para assegurar:

a) o respeito aos direitos ou à reputação das demais pessoas; ou

b) a proteção da segurança nacional, da ordem pública, ou da saúde ou da moral públicas. (grifo nosso)

Ademais, no seio de uma república, as autoridades dos três poderes estão passíveis de críticas, o que também é um reflexo do direito fundamental de liberdade de expressão.

Igual entendimento é perfilhado pela jurisprudência pátria:

[...] Todo homem público está sujeito a críticas próprias da liberdade de expressão, de comunicação e de opinião. [...] TRE/GO RE 7803

[...] No caso de pessoas públicas o âmbito de proteção dos direitos da personalidade se vê diminuído, sendo admitidas, em tese, a divulgação de informações aptas a formar juízo crítico dos eleitores sobre o caráter do candidato [...] STJ REsp 253058 MG.

Ciente de todas estas balizas passo a analisar o pedido de tutela de urgência.

Analisando as provas que foram coligidas aos autos (vídeo divulgado na rede social Instagram e Ata Notarial lavrada pelo oficial de Notas) vislumbro a um só tempo a probabilidade do direito autoral e o perigo da demora.

Pelo teor da fala do requerido, tal como consta do vídeo que instrui a inicial, observo que o mesmo inicia fazendo críticas à gestão do Poder Executivo local no campo da Saúde Pública, o que estaria albergado pela liberdade de expressão sob a ótica das críticas que são comuns e salutares no bojo do regime republicano. Contudo, segue relatando que uma moça faleceu e que outras pessoas talvez tenham sofrido do mesmo evento, expondo que “a sociedade não sabe o que de fato aconteceu, a família não sabe, ninguém de nós sabemos o que de fato aconteceu. O que nós sabemos é que a moça entro no hospital e chegou a falecer. Não sabemos e não podemos dizer aqui se faleceu no hospital em São Mateus se foi no período, saindo de São Mateus para chegar na cidade de Coroatá. Mas isso os laudos eles irão mostrar, a família eu acredito que tem todas essas informações”.

Ao final, o requerido imputou a responsabilidade do evento (falecimento de uma moça) ao requerente e até mesmo ao diretor do hospital local:

[…] E responsabilizar o hospital, o diretor, o prefeito da cidade por essa situação. Nós sabemos que lá tem muitos bons profissionais, enfermeiros, médicos... que coitados... ficam alheios a essa situação né? Porque os equipamentos, a estrutura não é adequada pra fazer aquilo, e o prefeito vem exigindo que se faça. Então gente, a sociedade de São Mateus precisa pedir informação pra o diretor deste hospital. O prefeito dessa cidade que emite uma nota esclarecendo a real situação que aconteceu naquele dia trágico pra aquela jovem que perdeu a vida e para sua família. [...]

Da forma como foi veiculado vídeo observo que o próprio requerido em determinado ponto afirma não saber o que de fato aconteceu no episódio que vitimou uma jovem na cidade de São Mateus, mas finaliza imputando ao requerente e ao diretor do hospital local a responsabilidade pelo evento.

Com base em cognição sumária, ausentes informações precisas e seguras sobre o que de fato ocorreu no episódio relatado pelo requerido em seu vídeo divulgado, dúvida esta que ele próprio ventilou em sua publicação, compreendo que a precoce imputação de responsabilidade ao requerente pelo óbito da jovem assume conotações que podem beirar a uma ofensa a honra e imagem do requerente, o que transbordaria as raias do permitido ao direito fundamental a liberdade de expressão.

Nestes termos é o entendimento da jurisprudência pátria:

TJ-GO - Agravo de Instrumento ( CPC ): AI 428295520188090000

Jurisprudência•Data de publicação: 12/09/2018

AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITOS DA PERSONALIDADE. DIVULGAÇÃO DE VÍDEO COM CONTEÚDO OFENSIVO. RETIRADA. POSSIBILIDADE. TUTELA RECURSAL DEFERIDA. DECISÃO PRÍMEVA REFORMADA. 1. A postagem em rede social de conteúdo potencialmente ilícito ou ofensivo enseja intervenção judicial, sendo possível sua remoção. 2. O caput do artigo 300 do NCPC estipula que para ocorrer o deferimento da tutela provisória de urgência, tanto de natureza cautelar como antecipada, é necessária a existência de elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo. No caso concreto, a parte logrou êxito em comprovar a probabilidade do direito invocado bem como o perigo da demora no sentido de demonstrar a necessidade de retirada das publicações questionadas até o julgamento final da ação no juízo de origem. 3. Nessa perspectiva, impõe-se a reforma da decisão do juiz a quo, confirmando-se a tutela de urgência deferida em sede recursal. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONHECIDO E PROVIDO.

TJ-SP - Agravo de Instrumento: AI 22310811720218260000 SP 2231081-17.2021.8.26.0000

Jurisprudência•Data de publicação: 01/10/2021

Agravo de instrumento. Ação de obrigação de fazer. Insurgência contra decisão que indeferiu tutela de urgência para retirada de publicação inserida em rede social. Liberdade de expressão não é direito absoluto. Limite encontrado quando há violação ao direito à honra, imagem e proteção à dignidade humana, direitos protegidos constitucionalmente (art. 1º , inciso III , CF ). Há caracterização de excesso ou violação ao direito de livre expressão do pensamento quando as alegações caracterizarem ofensa grave e injusta à honra e boa fama das pessoas. Requisitos do artigo 300 , CPC evidenciados. No caso, aparentemente, o expressado no vídeo ultrapassa o limite da liberdade de expressão, pois, a princípio, afronta a honra e a moral do agravante. Aplicação da Lei 12.965 /14, Marco Civil da Internet . Agravo provido.

TJ-PR - Agravo de Instrumento: AI 17347769 PR 1734776-9 (Acórdão)

Jurisprudência•Data de publicação: 24/04/2019

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO INDENIZATÓRIA POR DANOS MORAIS. - TUTELA DE URGÊNCIA. COGNIÇÃO SUMÁRIA. POSTAGENS NO FACEBOOK COM CRÍTICAS À ATUAÇÃO DA AUTORA NO CARGO DE CHEFE DO CANIL MUNICIPAL DE REBOUÇAS. EMPREGO DE TERMOS OFENSIVOS À HONRA. ABUSO NO EXERCÍCIO DA LIBERDADE DE EXPRESSÃO. ORDEM DE EXCLUSÃO DAS POSTAGENS E DE NÃO REITERAÇÃO SOB PENA DE MULTA. - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. (TJPR - 9ª C. Cível - AI - 1734776-9 - Rebouças - Rel.: Juiz Rafael Vieira de Vasconcellos Pedroso - Unânime - J. 11.04.2019)

Diante todo o exposto DEFIRO PARCIALMENTE a tutela de urgência para determinar ao requerido que no prazo de 24 horas contados de sua intimação, sob pena de multa única no valor de R$ 3.000,00, passível de majoração em caso de indevida recalcitrância, suspenda a divulgação no seu perfil da rede social Instagram do vídeo de URL (https://www.instagram.com/reel/CqJ5NROp7Le/?igshid=YmMyMTA2M2Y=).

Intimem-se as partes.

DO PROSSEGUIMENTO DO FEITO

Diante das especificidades da causa e de modo a adequar o rito processual às necessidades do conflito, ausentes conciliadores/mediadores ou um CEJUSC nesta comarca, deixo para momento oportuno a análise da conveniência da audiência de conciliação. (CPC, art.139, VI e Enunciado n.35 da ENFAM).

CITE-SE o requerido para que oferte contestação ao feito no prazo de 15 dias úteis.

CONFIRO FORÇA DE MANDATO.

Expeça-se caso necessário carta precatória com prazo de 30 dias para cumprimento.

Expirado o prazo acima, ofertando ou não defesa, intime-se o requerente na pessoa do seu advogado constituído, via diário, para que oferte manifestação ou réplica a contestação em igual prazo.

Cumpridos os itens acima voltem imediatamente conclusos.



São Mateus/MA, datado e assinado eletronicamente

 

Raphael de Jesus Serra Ribeiro Amorim

Juiz de Direito titular da 2º vara da comarca de São Mateus

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